O Filho Tirano
A concordarmos com Freud, há um momento mítico em que os filhos matam o pai tirano, e o tornam um forte totem (o pai morto) de onde emanará simbolicamente toda a autoridade. Depois da experiência do pai vivo – aquele que não tem qualquer limite – sobrevém inevitavelmente o assassinato.
No mito, os filhos assassinos do tirano são tomados pela culpa. O pai morto lhes impõe o limite da civilidade.
Há uma certa personagem no Brasil de hoje que, se se pudesse teatralizar, estaria no centro da tragédia.
Dramática e intensamente leal ao pai quase morto, até espantando certa claque (i.e. elite tradicional, mídia comercial, etc.) outrora deslumbrada, parece arriscar a própria vida…
Dizia-se moderado, técnico, sóbrio, e então passa a bradar pela salvação do pai tirano, louva por ele, clama a deus, viola os poderes e a legalidade. Ora, ora. O filho quer salvar o pai tirano sendo um novo pai tirano?
Ora, ora. Quer ele realmente o pai vivo? Ou morto, para substituí-lo?
A plateia está confusa.
No mito freudiano, os irmãos que matam o pai são anônimos, iguais, não arrogam para si a posição de exceção. Passam à contenção civilizada. O assassinato do pai institui a culpa; e, representando o extermínio do tirano, inaugura a civilização.
À diferença do mito, nesse Brasil varonil, o filho assassino não carrega qualquer culpa. Viva pai, morto!
Que a plateia tire as suas conclusões.
Gisele Araújo – Socióloga