A construção do mundo multipolar e as ameaças do imperialismo em tempos de decadência do ocidente coletivo ampliado: desafios para o B do BRICS, por João Ricardo Dornelles
A CONSTRUÇÃO DO MUNDO MULTIPOLAR E AS AMEAÇAS DO IMPERIALISMO EM TEMPOS DE DECADÊNCIA DO OCIDENTE COLETIVO AMPLIADO: DESAFIOS PARA O B DO BRICS.
Olhando para o cenário geopolítico atual é importante responder a algumas questões que impactam as sociedades e que apontam para o aprofundamento da crise da hegemonia dos Estados Unidos (EUA) e a ascensão de um novo cenário multipolar com o protagonismo da China, Rússia, Brasil e outros países localizados na periferia do sistema imperialista.
Nesse quadro, a crise aponta alternativas com a criação e posterior crescimento do BRICS desempenhando um papel fundamental na construção de uma nova ordem mundial multipolar.
Uma primeira pergunta se coloca no contexto dos ataques do governo Trump contra todo o mundo, em uma escalada da guerra comercial que levou a imposição unilateral de tarifas e ameaças de sanções e embargos econômicos. Em pleno ataque do governo Trump, quais são os principais desafios para o Brasil no cenário de construção de um mundo multipolar?
O BRICS foi criado no primeiro governo Lula, em 2009.
B de Brasil, R de Rússia, I de Índia, C de China, S de South Africa. Nos últimos anos, com a incorporação de novas economias do Sul Global, surgiu o que podemos chamar de BRICS+ (ou BRICS Plus). E tudo indica que crescerá mais, pois se colocou desde o início como uma alternativa aos mecanismos financeiros ligados ao imperialismo ocidental hegemonizado pelo EUA.
O crescimento recente do BRICS se deu em um primeiro momento com a entrada do Irã, Indonésia, Arábia Saudita, Egito, Etiópia, Emirados Árabes Unidos. O convite a Argentina foi rechaçado pelo governo neofascista ultraliberal de Javier Milei.
A última Cúpula dos BRICS, realizada no Rio de Janeiro há poucas semanas atrás, no início de julho, reafirmou o seu compromisso com a construção de um mundo multipolar, a sua ampliação com novas economias do Sul Global e a criação de mecanismos financeiros que libertem os países do mundo da ditadura do dólar, com o estímulo ao comércio internacional em moedas locais.
Muitos, desavisados ou de má fé, dirão “ah, os países do BRICS são ditaduras, são autocracias”. Em primeiro lugar é importante deixar bem claro que o BRICS não é uma aliança pela democracia, uma aliança militar ou uma aliança política, mas sim uma aliança de países que criaram um bloco econômico. São países com características socioeconômicas comuns, a principal delas a de se colocarem no que chamamos de Sul Global e que eram identificados anteriormente como economias periféricas ou “em desenvolvimento”.
Outra observação sobre as características democráticas ou autocráticas de tais países é que o autodenominado “mundo livre”, as chamadas “democracias ocidentais”, nunca se preocuparam muito com a democracia em países da sua periferia, contentando-se que os mesmos se mantivessem submissos à uma lógica colonial como países vassalos dentro da sua área de influência. A hipocrisia dos governos ocidentais é flagrante, falam em democracia e apoiam ditaduras. Atacam o Irã (eu também sou um crítico ferrenho ao regime teocrático iraniano), mas acham uma maravilha a Arábia Saudita ou outras monarquias absolutistas teocráticas amigas, Qatar, Emirados Árabes Unidos. Veneram a Ucrânia de Zelensky e dos batalhões neonazistas Azov como “portadores dos mais altos valores democráticos”. Financiam o Estado nazi-sionista de Israel e o genocídio televisionado do povo palestino e otras cositas más. Será mesmo que os porta-vozes do tal “mundo livre”, o Ocidente Coletivo Ampliado (Estados Unidos, Europa Ocidental etc), realmente são portadores de valores tão sublimes?
Os Estados Unidos e a Europa enalteciam as suas democracias e, ao mesmo tempo, apoiavam e financiavam ditaduras e guerras pelo mundo afora, a começar pelas intervenções militares, pelos golpes de Estado e violências contra os direitos humanos no Brasil e em toda a América Latina.
Então como diz a juventude em forma de galhofa, “menos, Estados Unidos! menos, Europa!”, sua superioridade moral já foi desmascarada há muito tempo.
Como acabamos falando em democracia, a pergunta que não quer calar é: afinal de contas o que é a tal democracia? Para o pensamento liberal só existe um tipo de democracia, a liberal, a representativa, a democracia que vem da tradição das revoluções burguesas. Com certeza foi uma conquista civilizatória tal tipo de democracia nas lutas contra o absolutismo nos séculos XVIII e XIX na Europa, o que levou à Revolução Francesa e outras revoluções liberais. Mas só existe um modelo de democracia? E esse modelo ficou parado no tempo? Será que podem existir formas mais avançadas de democracia? Democracias diretas, participativas, populares, de massa? A resposta é sim. E experiências pelo mundo afora têm demonstrado isso, a começar pela formação do Estado Plurinacional da Bolívia. Também será que é possível dizer que os Estados Unidos e o Ocidente podem ainda se autodefinirem como democracias? Tenho sérias dúvidas. Na minha opinião não existe mais democracia na sua plenitude, tanto nos Estados Unidos, quanto na Europa. Não existe mesmo na sua versão liberal. E aqui voltamos a dizer que seria importante um profundo debate sobre o que é democracia. Na verdade, temos hoje regimes de Plutocracias, governos dos super-ricos. E está mais do que provado que o modelo capitalista neoliberal é incompatível com quaisquer formas de democracia, até mesmo da limitada democracia liberal.
Seria um bom conselho para a Europa e os Estados Unidos: desçam do seu salto alto e tentem ter uma relação de igualdade com outros povos de outras regiões do mundo.
Bom, voltando à pergunta, voltando ao BRICS, como foi dito anteriormente, trata-se de uma aliança de economias emergentes. Outro fato importante é que o BRICS conta com o seu banco, o Novo Banco de Desenvolvimento (NDB), fundado em 2014 para implementar projetos de infraestrutura e desenvolvimento como uma alternativa ao FMI e ao Banco Mundial com suas políticas imperialistas restritivas para a maior parte dos países do mundo. Além dos membros do BRICS, Bangladesh e Uruguai também são acionistas do NDB. Desde o ano de 2023, com a volta de Lula à presidência do Brasil, a ex-Presidenta Dilma Rousseff, golpeada e afastada do poder em 2016, se tornou Presidenta do NDB, com sede em Shanghai. No ano passado, 2024, Dilma foi reconduzida para mais um mandato à frente do Banco dos BRICS.
A história não está pré-definida, assim não temos bola de cristal e não é possível afirmar com cem por cento de certeza o que acontecerá no futuro, mas a tendência histórica é que o eixo do poder mundial que foi construído há mais de 500 anos atrás com centro no Ocidente, no Atlântico Norte, no que já chamei aqui de eixo Anglo-Estadunidense-Ocidental ou Ocidente Coletivo Ampliado, está em decadência e existe um giro para uma pluralidade de eixos ou a multipolaridade, o Sul Global, o Eixo Ásia-Pacífico, o eixo do Oriente, o Eixo do Atlântico Sul, o Eixo Africano.
Estamos no meio desse processo. E é justamente por isso que os Estados Unidos esperneiam, a Europa ameaçada estrebucha. Todo império em decadência torna-se mais agressivo, mais militarista, mais violento. Trump e o crescimento da extrema-direita neofascista na Europa são exatamente as expressões da decadência dos Estados Unidos e do conjunto do Ocidente Ampliado. São sociedades em crise profunda e sua crise representa uma ameaça para todo o planeta, embora mantenham a retórica de que são o farol civilizatório do mundo.
A crise do Ocidente não se restringe aos seus aspectos econômicos e políticos, mas expressam uma profunda crise moral, das referências e dos valores que até bem pouco tempo serviram de base para projetos emancipatórios da modernidade. O chamado “berço da civilização” não mais consegue esconder a sua verdadeira face de barbárie. E aqui não se pode esquecer alertas emitidos há um século atrás por Walter Benjamin com a sua crítica ao modelo civilizatório do Ocidente. Também há cerca de cem anos atrás, Freud escreveu sobre o “mal-estar da civilização”.
A questão é que com a queda do muro de Berlim, com o fim da experiência do socialismo real na URSS, o fim da guerra fria, passou a existir um poder global unipolar, a “Pax Americana”, um poder centrado na hegemonia absoluta estadunidense, ou melhor, do “Ocidente Coletivo Ampliado”. E o poder é todo concentrado neste sistema, que se organizou no pós-45 como um sistema de império.
Outra pergunta a ser feita é o que está ocorrendo desde o início do século XXI, em especial a partir da crise do capitalismo com a grande depressão de 2008?
O sistema imperialista está em uma profunda crise e decadência, econômica, tecnológica, política, moral, cultural. Ainda detém um grande potencial militar, principalmente os Estados Unidos. E vemos agora a União Europeia em intensa escalada armamentista. E a decadência estadunidense arrasta o mundo todo para o perigo de guerras permanentes e destruição global. Como disse há um século atrás o pensador e revolucionário italiano Antonio Gramsci, nesses momentos de crise de hegemonia é que nascem os monstros. No caso ele se referia ao fascismo. Hoje, na crise de hegemonia e decadência do imperialismo o monstro seria as diferentes versões dos neofascismos como contraparte essencial do capitalismo neoliberal.
Trump, os democratas estadunidenses e os liberais europeus têm suas contradições na luta para apresentar soluções para a crise do sistema imperialista e a decadência do eixo Estados Unidos-Ocidente. São as chamadas contradições secundárias. São expressões de estratégias diferentes do sistema imperialista e suas políticas militaristas e de guerra. Voltando a Gramsci, Trump expressa o aprofundamento da decadência, o monstro que surge em tempos de crise, no interregno onde a velha ordem está sucumbindo, mas ainda sobrevive e a nova ordem busca nascer, mas ainda não tem força suficiente para impor a derrocada do velho.
A decadência desse sistema que foi hegemônico até há pouco tempo – talvez até o início do século XXI ou até a grande depressão de 2008 – atinge em cheio as sociedades ocidentais, repercutindo em todas as partes do mundo.
Essa crise abre a possibilidade da superação da ordem unipolar e do surgimento de uma nova ordem mundial baseada no multilateralismo e na multipolaridade. Uma ordem mundial que tenha como objetivo a paz mundial e a emancipação das sociedades não pode se basear na unipolaridade e no sistema de império. E não se trata de buscar uma nova unipolaridade centrada na China, por exemplo. O que se busca como alternativa ao sistema de império que se encontra em decadência é uma nova ordem mundial multipolar e igualitária, com base na paz entre as nações e na autodeterminação dos povos.
Uma multipolaridade em que os Estados Unidos terão o seu papel, a Europa terá o seu papel, a Alemanha também, mas em igualdade de condições com as sociedades do Sul Global, com o Brasil, Rússia, China, Cuba, África do Sul, México, Índia, Vietnam, Bangladesh, Angola etc. Enfim, uma nova ordem mundial de democracia multipolar. Onde as relações entre as nações se desenvolvam de forma mais democrática e mais igual, sem a imposição dos poderes militares e econômicos para submissão dos povos. Uma nova ordem onde não mais existirá uma única moeda nacional central no mundo, o dólar estadunidense. Onde será mais conveniente uma cesta de moedas lastreadas em economias reais, uma cesta de moedas onde o dólar estará presente em conjunto com o euro, a libra, o franco suíço, mas também com o real brasileiro, o peso mexicano, o yuan chinês, o rublo russo, o rand sul-africano, a rupia indiana e outras moedas. Mas é óbvio que o sistema imperialista rechaça isso, seja na sua vertente trumpista, seja na sua vertente democrata e europeia.
O BRICS e o Novo Banco de Desenvolvimento (NDB) são respostas do Sul Global à ordem imperialista hegemônica em crise.
Infelizmente a reação das potências ocidentais a sua própria crise tem sido a escalada militarista e a ameaça de colocar fogo no mundo com uma 3ª. guerra mundial. Tanto os Estados Unidos, quanto a Europa tocam os tambores da guerra, embora hipocritamente falem em “nossos valores ocidentais ou europeus”. Voltamos a perguntar, quais valores mesmo? Aqueles que já foram enterrados há muito tempo? Vamos tentar falar sério com essa gente, de que valores estão falando quando o mundo está sob uma ameaça de destruição. A resposta tem sido dobrar a aposta com mais guerra? Assistimos ao vivo e em cores um genocídio na Palestina e o que faz o civilizado ocidente, o tal “mundo livre”, as tais democracias ocidentais? Preciso responder? Não preciso. É vergonhosa a posição dos “civilizados” Estados Unidos e Europa.
Outra pergunta que se coloca em meio aos ataques do governo Trump, a decadência do Ocidente Ampliado e o fortalecimento do BRICS é se estamos testemunhando o início de uma nova ordem mundial multipolar, fundada em relações de solidariedade internacional e trocas justas.
O que estamos assistindo com Trump é uma mudança no campo do imperialismo e do enfrentamento da sua crise. Enquanto os democratas estadunidenses tratavam de buscar uma solução para a decadência do imperialismo usando a própria lógica do sistema, com o reforço da OTAN e a busca de respostas compartilhadas com a União Europeia, acredito que Trump representa uma outra via para tentar superar a sua crise e recuperar o papel hegemônico dos EUA.
Os democratas representam o imperialismo como um sistema integrado, sob hegemonia estadunidense, o sistema de império do Ocidente Ampliado abrangendo, além dos EUA como cabeça, a Europa Ocidental, Japão, Coreia do Sul, Austrália, buscando enquadrar a América Latina, a África e o mundo inteiro para se contrapor à ascensão da China. Os democratas são a expressão do capitalismo neoliberal organizado como sistema globalizado com alguma articulação.
Já o governo Trump, sem romper com a lógica do imperialismo e a centralidade estadunidense, coloca uma outra questão, a busca da substituição de importações, um protecionismo que flexibiliza os mecanismos da globalização neoliberal, mas não rompe com a lógica de império. Trump busca atrair de volta as empresas de matriz norte-americana que estão produzindo pelo mundo afora. Um dos exemplos é a Apple que produz na China. O atual governo dos EUA busca recompor o capitalismo estadunidense para fazer frente a sua decadência a partir de dentro. Isso não significa romper com a lógica imperialista, significa uma outra tática do próprio império. Pode, sim, romper com o imperialismo enquanto sistema ocidental ampliado e integrado, mas ainda temos que ver como tudo isso vai se desenvolver, afinal ainda não temos um ano de governo Trump.
O que o modelo Trump propõe é um imperialismo não como sistema único integrado. Em vez de um imperialismo como sistema que incorpora a Europa, Japão, Coreia do Sul, Austrália e busca atrair os outros países, Trump propõe uma política imperialista mais isolacionista, algo como dizer, “Europa, cuide-se sem nossa participação, vocês também são imperialistas, mas cuidem de vocês sem contar com a gente”.
E essa nova ordem mundial ainda é objeto de imensas disputas entre modelos que se contrapõem (Ocidente Ampliado/EUA/Europa X BRICS/Sul Global) e disputas no próprio seio das forças imperialistas. Infelizmente não vejo o cenário como tranquilo. Imagino um cenário mundial de tensão e ameaça de escalada de conflitos intensos no plano geopolítico, econômico e militar.
Na minha opinião, a humanidade vive o momento mais crítico e mais perigoso de toda a sua história. Muitos poderiam dizer “ah, mas no século passado existiu o nazismo, as duas guerras mundiais, Auschwitz, as bombas de Hiroshima e Nagasaki”. Sim, é verdade, no século passado a humanidade viveu um de seus piores momentos de perigo. No entanto, acho que a humanidade nunca viveu um momento como o de hoje, um momento de ascensão dos neofascismos, de conflitos localizados, da ameaça de guerra generalizada, de ameaça ambiental, de uma guerra com potencial de destruição mundial com os arsenais nucleares existentes. E os imperialismos ocidentais fazem direitinho o dever de casa para aumentar a temperatura e tensão mundial. A União Europeia vota o aumento dos investimentos militares para 5% do PIB de seus membros, a Alemanha volta a ser uma força militar, os senhores da guerra falam grosso e apontam para todos os povos as suas armas letais. E o capitalismo mostrou a sua irracionalidade perversa com um modelo de superconcentração da riqueza jamais vista, de empobrecimento generalizado e de medo permanente.
É importante dizer que, na sua essência imperialista, tanto no governo Biden, quanto no Trump, o papel dos EUA não muda em relação ao Brasil e a América Latina. É verdade que podem existir conjunturas específicas em que um governo estadunidense se torne momentaneamente mais flexível, como ocorreu nas eleições brasileiras de 2022.
A hostilidade maior ou menor dos Estados Unidos fica para quem não se enquadra de maneira servil. Nesse momento da história os governos do Brasil, Colômbia, Venezuela, Cuba, México, Honduras.
Em cada eleição que se realize nos países latino-americanos lá estará o dedo dos EUA, da CIA e de outras instâncias de intervenção.
Existem diversos desafios para o Brasil nesse contexto de crise. São fragilidades que estão enraizadas na própria formação social brasileira, como uma sociedade que não superou e rompeu com o seu passado colonial, escravista e oligárquico. Temos uma série de fragilidades que nos coloca em situação desvantajosa em relação aos outros membros principais do BRICS. As classes dominantes brasileiras modernizadas mantém a lógica dos senhores coloniais com interesses subordinados às metrópoles. São elites que nunca criaram um projeto nacional de desenvolvimento nacional, soberano, autônomo e independente.
A nossa história está repleta de exemplos das atitudes vergonhosas das classes dominantes – o chamado viralatismo – em relação ao que vem do estrangeiro, especialmente dos EUA e da Europa. Um típico comportamento colonial de submissão.
Alguns devem se lembrar da adoção do “USA Patriot Act” assinado pelo Presidente George W. Bush após os ataques terroristas de 11 de setembro de 2001. Medidas de segurança foram adotadas para os voos comerciais e para a entrada de estrangeiros nos EUA. Naquele momento, o Chanceler brasileiro, Celso Lafer (do governo neoliberal de Fernando Henrique Cardoso), precisou tirar os sapatos durante a inspeção de segurança na migração do aeroporto de Miami.
Lembramos com vergonha o comportamento vassalo de Bolsonaro como presidente do Brasil ao se dirigir para a bandeira de um país estrangeiro, os EUA, e bater continência em sinal de subserviência, servilismo e sabujice.
No Brasil governado por Bolsonaro o ministro da Fazenda era Paulo Guedes, o sonho de consumo dos neoliberais do mundo, o “Chicago Boy” brasileiro que esteve, ainda jovem, acompanhando a implementação de tais políticas econômicas pela ditadura Pinochet. Na primeira viagem de Bolsonaro como presidente ao EUA, Guedes afirmou para as autoridades do país que “no Brasil, tudo está a venda, inclusive os utensílios de cozinha do Palácio do Planalto”, enquanto o presidente ia lá bater continência para a bandeira estadunidense. A política econômica de Paulo Guedes segue o receituário dos chamados liberais brasileiros, como também dos liberais norte-americanos e europeus. Guedes tentou privatizar tudo, vender o país inteiro. O capitalismo neoliberal anda de braços dados com a neofascismo.
Por outro lado, ao contrário das demonstrações de vassalagem de nossas elites, temos momentos de altivez através dos que buscam construir um projeto de nação soberana. Ainda no primeiro governo do Presidente Lula, em cúpula realizada em Montevidéu, todos os presidentes latino-americanos presentes se levantaram em reverência à entrada do Presidente dos EUA, George W. Bush. O único chefe de Estado que se manteve sentado foi o Presidente Lula. Afinal, qual seria o motivo de uma saudação especial para o governante estadunidense em reunião realizada em território uruguaio? A atitude altaneira do Presidente Lula rendeu críticas da colonizada grande imprensa brasileira hegemônica.
Por fim, vale lembrar que estamos sob ataque do governo Trump com a imposição de tarifas de 50% sobre os produtos brasileiros exportados para os EUA. Mas não se trata apenas de tarifas, mas de sanções e ameaças de intervenção na autonomia brasileira, já que o governo dos EUA busca interferir no Supremo Tribunal Federal e exige que o golpista Bolsonaro não seja punido por tramar contra a democracia e planejar assassinar o presidente, o vice e um ministro do STF. As tarifas e as ameaças, na verdade, usam esse pretexto para atacar o elo mais fraco do BRICS, exatamente poucos dias após a realização da Cúpula do Rio de Janeiro, quando foi reafirmado o esforço para a construção de uma nova ordem internacional baseada no multilateralismo e na multipolaridade.
Em plena agonia e decadência dos EUA torna-se insuportável para os dirigentes do sistema imperialista a construção de alternativas que saiam da órbita das potências ocidentais.
Em relação às nossas fragilidades temos o fato de o inimigo do Brasil estar dentro das nossas fronteiras, falar português e golpear quaisquer governos que lutem pela soberania nacional sobre as nossas riquezas. São os modernos “Calabares”, “Silvério dos Reis”, os traidores e inimigos do Brasil, aquela gente que tem vergonha da nossa terra e adoraria ser estadunidense ou europeu. Os agentes do imperialismo e do capital internacional estão presentes nas bancadas do centrão, dos bolsonaristas, dos neoliberais, da Rede Globo, Estadão, Folha, Veja, dos financistas da Faria Lima, do agronegócio, dos pastores da teologia do domínio etc. Esses são os inimigos do Brasil e do povo brasileiro.
Os ataques de Trump se dirigem ao elo mais fraco do BRICS, afinal não temos soberania militar, não temos soberania tecnológica, não temos soberania digital, não temos soberania das comunicações. São os nossos calcanhares de Aquiles.
Acredito que estamos em um cenário de guerra, guerra que nos está sendo imposta tanto por potências estrangeiras imperialistas, como pelos seus agentes internos. O que nos resta é travar a luta política e ideológica, tocar corações e mentes de todas as brasileiras e brasileiros, através da convocação pelos partidos de esquerda, centrais sindicais, movimentos populares e organizações da sociedade civil para a permanente mobilização de amplas parcelas do povo brasileiro contra os ataques à nossa soberania.
No mês de abril passado o Secretário de Defesa do EUA anunciou que, com as tarifas de Trump, “chegou a hora de recuperar o seu quintal”.
Alto lá! Não. O Brasil não é quintal de ninguém, o Brasil não é das classes dominantes colonizadas vassalas, o Brasil é das brasileiras e brasileiros, do seu povo trabalhador.
A luta pela soberania nacional e pelo bem-estar de todo o povo brasileiro é a luta pela nova independência do Brasil.
Vila Nova de Gaia, Portugal, 28 de julho de 2025.
João Ricardo Dornelles – Professor do Programa de Pós-Graduação em Direito da PUC-Rio; Coordenador do Núcleo de Direitos Humanos da PUC-Rio; membro do Instituto Joaquín Herrera Flores/América Latina; membro do Coletivo Fernando Santa Cruz; Analista Político do Canal Iaras e Pagus/Youtube.