A lógica estrutural e cultural da concentração de renda.
Analisando a lógica da concentração de renda e salário, fica evidente que esse fenômeno é tanto estrutural quanto cultural.
O modo capitalista é voltado para a concentração de renda, enquanto a democracia é pela distribuição de renda. Esta é antinomia que carrega os países que são capitalistas economicamente e institucionalmente democratas.
Do ponto de vista cultural, existe toda uma engrenagem que não apenas mantém, mas amplia essa disparidade.
Tomemos como exemplo a questão dos jogadores de futebol e de outros esportes. A elite de atletas recebe valores absolutamente absurdos, que não se justificam pelo espetáculo em si, uma vez que a plateia, mesmo com todo o seu entusiasmo, não geraria receita suficiente para bancar tais salários. A origem desse montante está, na verdade, na transformação desses atletas em marcas.
Eles deixam de ser apenas esportistas e se tornam instrumentos de marketing, veículos para a venda de produtos e imagens, o que infla seus rendimentos de maneira desproporcional ao ofício.
Do lado estrutural, a realidade é tão perversa quanto. Enquanto uma minúscula elite recebe quantias exorbitantes, a grande massa de jogadores vive uma situação completamente diferente. Muitos sequer têm salário formal, recebendo apenas ajuda de custo ou bolsas, especialmente em modalidades menos midiáticas.
Apenas aqueles que conseguem “despontar” atingem essa outra categoria privilegiada. Essa estrutura piramidal, com poucos no topo e uma base larga e mal remunerada, é a própria materialização da concentração.
São as diferenças de classes e de castas.
Essa lógica perversa se espelha em outros setores, como o dos jogos legais de azar, a exemplo das Loterias da Caixa. Nelas, a fortuna é concentrada em um único ganhador, que instantaneamente salta para a elite da concentração de renda.
Surge então a pergunta inevitável: por que não distribuir melhor esses prêmios? Em vez de criar um novo milionário, seria perfeitamente possível premiar o primeiro, segundo, terceiro, quarto e quinto lugares, por exemplo, promovendo uma distribuição do prêmio mais equilibrada e menos abrupta.
Portanto, a concentração de renda e salário é um mecanismo duplamente enraizado. É cultural no sentido de estar incorporado na nossa percepção de que é natural uma elite, em qualquer esporte ou área cultural, ganhar muito, enquanto os outros se contentam com muito menos, até, e se conseguirem, chegar lá.
Isso cria uma forçação constante para se atingir o topo, condenando os que não conseguem a permanecerem em classes baixas ou médias.
E é também estrutural, pois o regime econômico e social cultiva e fortalece essa dinâmica, fomentando a criação de milionários em detrimento de uma distribuição mais equilibrada.
Seja no esporte, seja na cultura, seja nos jogos de azar, a lógica incrustada é sempre a mesma: a da concentração, e nunca a da desconcentração ou da melhor distribuição de renda.
Alguns exemplos de hiper concentração de renda: os principais jogadores de futebol ganham mensalmente em torno 2 a 3 milhões de reais; artistas e âncoras da Globo 200 a 400 mil reais/mês.
Prêmios das Loterias (Caixa): giram entre 3 a 200 milhas para o primeiro lugar.
Romper com esta lógica requer medidas de justiça fiscal, social e cultural. Sobretudo, debates ideológicos, de qual a ideologia que domina o sistema e qual a que é vetor do futuro histórico.
Francisco Celso Calmon