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Envelhecimento: o grande desafio do Brasil no século 21

Definitivamente não é a melhor idade, é a mais precária e que sofre preconceito etarista.

(Fonte: Brasil247. O Canal Pororoca reconhece a autoria integral do site sobre a matéria abaixo.)

A escolha do tema da redação do ENEM 2025, “Perspectivas acerca do envelhecimento na sociedade brasileira”, jogou luz sobre um dos maiores dilemas estruturais do país: o Brasil está envelhecendo em ritmo acelerado, sem que sua estrutura social e econômica tenha acompanhado essa velocidade. O que deveria ser motivo de celebração, pois viver mais é uma conquista civilizatória, confronta-se com a precarização do futuro e a persistência de uma “doença social silenciosa e persistente: o etarismo”. 

Este cenário de incerteza previdenciária e falha na assistência coloca a nação diante de um gargalo que ameaça o próprio desenvolvimento. O presidente do IBGE, Marcio Pochmann, alerta para o “novo mundo do trabalho” digital e afirma que o Brasil tem “uma geração de trabalhadores que pode não se aposentar”, indicando que a ideia tradicional de previdência foi atacada ao longo dos anos por reformas neoliberais.

O jornalista, pesquisador e gerontólogo Jorgemar Felix reforça o risco econômico da inação, dizendo que “o envelhecimento sem cuidado pode ser um grande gargalo para o futuro da economia brasileira”, e que “a falha em suprir o cuidado de longa duração pode ser um garrote para a economia brasileira, impedindo o crescimento econômico”. Segundo os colunistas do Brasil 247, uma das empresas menos etaristas do Brasil, e que valoriza o talento de seus veteranos, o desafio urgente é sair do paradoxo de um país que idolatra a juventude e, ao mesmo tempo, torna o envelhecer com dignidade um privilégio, expondo a “invisibilidade dos idosos”. 

A urgência, portanto, é reconhecer que “O respeito aos idosos é o espelho de uma sociedade que compreende o próprio futuro” e que, apesar de o Brasil ter uma grande base legal avançada para os direitos dos idosos, o desafio é “tirar essas leis do papel”. Diante da inevitabilidade de que o “envelhecimento é a única certeza democrática da existência humana”, o Brasil 247 lança esta reportagem especial, reunindo reflexões essenciais de alguns dos maiores jornalistas do Brasil. Leia abaixo:

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Luis Pellegrini

Envelhecimento: a única certeza democrática

O respeito aos idosos é o espelho de uma sociedade que compreende o próprio futuro

Envelhecer é inevitável. Mas envelhecer com dignidade é uma escolha coletiva. O Brasil precisa decidir se quer ser uma nação que teme o passar do tempo ou uma sociedade que o celebra, reconhecendo que, ao proteger os seus idosos, protege também o seu próprio futuro.

Ao longo da minha carreira, tive o privilégio de encontrar vários centenários, homens e mulheres, todos eles seres de exceção em termos de luz, força e energia pessoais. Hoje, quero me referir a apenas um: a italiana Rita Levi-Montalcini, Prêmio Nobel de Medicina, que entrevistei em Roma em 2009. Rita acabara de completar cem anos, e fui visitá-la na belíssima cobertura em que morava, no centro histórico de Roma.

Era uma tarde quente, e ela estava no terraço, protegida por um toldo, sentada atrás de uma grande mesa de trabalho. Levantou-se ao me ver chegar e, sorrindo, disse em português quase sem sotaque: “Salve, brasileiro! É você que vai me fazer matar a saudade que sinto do Rio de Janeiro?”. Rita visitou o Rio de Janeiro em 1952, após a guerra, para realizar pesquisas no Instituto de Biofísica, a convite de Carlos Chagas Filho, onde continuou seus estudos que levariam à descoberta do Fator de Crescimento Nervoso (NGF). Foi o início do trabalho científico que a levou ao Prêmio Nobel, em 1986. O Brasil deixara nela memórias especiais.

A primeira coisa que observei foi uma pilha de pastas com textos e apostilas sobre a mesa. Eram trabalhos e teses de alunos que ela orientava para mestrados, doutorados e pós-graduações. E a primeira pergunta foi: “A senhora completou cem anos de vida e continua trabalhando?”. E ela: “Sim, não quero que meu cérebro apodreça”. Perguntei: “O trabalho impede que isso aconteça?”. Rita retrucou: “Claro, este é talvez o ponto central de tudo que fiz na vida e que acabou me dando o Nobel. O cérebro é um órgão que praticamente não envelhece, desde que seja mantido em atividade. A preguiça, tanto a física quanto a mental, é a maior inimiga da longevidade cerebral. Você sabia que é mentira que as células do cérebro não se reproduzem? Elas se reproduzem — e como! Basta que você não deixe esse órgão dormir o sono dos vagabundos mentais”. A conversa foi longe, sempre nesse tom bem-humorado de quem está de bem com a vida.

Testemunhos como esse de Rita são, creio eu, mais do que nunca, fundamentais nesta fase histórica de uma humanidade que se torna cada vez mais velha. A questão do envelhecimento se torna central, a ponto de ser, agora, uma das perguntas mais discutidas do Enem.

Nosso país não foge à regra nesse fenômeno do envelhecimento das populações. Sim, o Brasil envelhece — e envelhece depressa. Segundo o IBGE, mais de 15% da população brasileira já tem mais de 60 anos e, em menos de três décadas, seremos um país com mais idosos do que crianças. 

Essa mudança demográfica, fruto do sucesso de políticas de saúde pública e da queda nas taxas de natalidade, deveria ser celebrada como um avanço civilizatório. No entanto, por trás dos números, esconde-se um desafio que o país ainda reluta em enfrentar: como garantir um envelhecimento digno, ativo e respeitado?

A precariedade das políticas públicas voltadas aos idosos revela o despreparo estrutural do Estado diante da nova realidade. 

Hospitais e centros de convivência especializados são escassos, o atendimento geriátrico é insuficiente e os programas de assistência frequentemente sobrevivem à base de orçamentos simbólicos. A previdência, por sua vez, segue sendo tratada apenas sob a ótica fiscal, e não como uma questão social e de cidadania. A promessa constitucional de amparo e dignidade na velhice continua distante do cotidiano da maioria.

Mas o problema não é apenas institucional — é também cultural. O preconceito contra o envelhecimento, o chamado etarismo, persiste como uma forma silenciosa de exclusão. Em uma sociedade que cultua a juventude e a produtividade, o idoso muitas vezes é visto como um estorvo, um peso para a família ou para o sistema. A publicidade raramente o representa com protagonismo, e o mercado de trabalho o descarta antes mesmo que ele possa escolher parar. Essa lógica cruel, que valoriza a aparência e a velocidade em detrimento da experiência e da sabedoria, empobrece o tecido humano da sociedade.

Zygmunt Bauman
Zygmunt Bauman(Photo: Divulgação)Divulgação

Como já advertia o sociólogo Zygmunt Bauman, vivemos em uma “sociedade líquida”, que descarta tudo o que não se encaixa no ideal de eficiência e consumo. O envelhecer, nesse contexto, é quase um ato de resistência — um lembrete de que o tempo, a memória e a experiência ainda têm valor.

É urgente, portanto, uma mudança de mentalidade. O envelhecimento não deve ser encarado como fardo, mas como uma nova fase da vida que merece políticas integradas de saúde preventiva, inclusão digital, lazer e convivência social. Cuidar dos idosos é cuidar do futuro de todos nós — afinal, o envelhecimento é a única certeza democrática da existência humana.

Luis Pellegrini tem 81 anos e é jornalista desde os 16.

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Denise Assis

Idosos consomem e sustentam famílias, mas são transparentes no Brasil

Tema do Enem expôs a invisibilidade dos idosos e a hipocrisia de uma sociedade que depende deles, mas finge não vê-los

Mais que uma escolha de tema para a redação do Enem deste ano, “Perspectivas acerca do envelhecimento na sociedade brasileira” foi um ato político. Obrigou os jovens — tanto os ricos e brancos, que saltaram dos carrões dos pais para a sala de provas, quanto os pretos, pobres e periféricos, que chegaram ao exame a bordo de ônibus sem ar-condicionado ou metrô — a refletirem sobre um contingente da população que eles mal veem, mal olham: os idosos. No máximo, para praguejar quando, na corrida para algum compromisso, estão em seus caminhos, mais lentos porque a pressa já não é fundamental. Ao optar pelo tema, a juventude foi obrigada a refletir sobre o “avulso” em suas vidas. Sim, os idosos estão fora da linha de montagem e, portanto, avulsos.

Paulo Guedes
Paulo Guedes(Photo: REUTERS/Ueslei Marcelino)REUTERS/Ueslei Marcelino

Em um país embrutecido pela passagem do tufão Jair Bolsonaro pela Presidência da República — período em que os direitos do cidadão foram ignorados ou reduzidos —, um dos aspectos vilipendiados pelo seu ministro da Fazenda, Paulo Guedes, era o dos benefícios destinados aos aposentados. Costumava pregar aos quatro ventos, principalmente para plateias jovens, que o governo deveria desatrelar os proventos destinados aos aposentados do cálculo do reajuste do salário mínimo. E fazia questão de sublinhar em sua fala que os jovens estavam “sustentando vagabundos”. Em seguida, exaltava os benefícios dos que optam, hoje, por serem “empreendedores”, omitindo a informação — recém-revelada em pesquisa do IBGE — de que essa parcela precarizada não chegou a lugar algum, a não ser arcar com os gastos da escolha e não ter tempo para si.

O que Paulo Guedes não contava a seus ouvintes é que os “vagabundos” de hoje foram os ativos de ontem. 

E que, enquanto trabalhavam à exaustão, sustentavam os estudos dos jovens que hoje estão no mercado de trabalho — arcando com impostos para que se formassem em escolas públicas e universidades gratuitas. Ou não é assim que a roda gira? Ao incentivá-los a deixar de contribuir — é isso o que acontece com os autônomos, na maioria das vezes —, jogam na eternidade da vida laboral os que hoje chegam ao limiar determinado como “idoso”, os maiores de 65 anos.

E somos muitos. De acordo com o último Censo Demográfico, o de 2022, o total de pessoas com 65 anos ou mais no país chegou a 10,9% da população, com alta de 57,4% em relação a 2010, quando esse contingente era de 7,4%. É o que revelam os resultados do universo da população do Brasil, desagregada por idade e sexo, daquele censo.

De acordo com técnicos do Instituto, o Estatuto do Idoso define como idosa a pessoa de 60 anos ou mais. O corte de 65 anos e além foi utilizado na análise do IBGE para tornar possível a comparação com dados internacionais e com outras pesquisas que utilizam essa faixa etária, como as de mercado de trabalho. Toda essa “numerália” aponta para uma realidade já percebida e estudada por estatísticos: o aumento da população de 65 anos ou mais, em conjunto com a diminuição da parcela da população de até 14 anos no mesmo período (que passou de 24,1% para 19,8%), evidencia o franco envelhecimento da população brasileira.

Ao longo do tempo, a base da pirâmide etária foi se estreitando devido à redução da fecundidade e dos nascimentos que ocorrem no Brasil. Essa mudança no formato da pirâmide etária passa a ser visível a partir dos anos 1990, e a pirâmide etária do Brasil perde claramente seu formato piramidal a partir de 2000. O que se observa ao longo dos anos é a redução da população jovem, com aumento da população em idade adulta.

Certamente, os encarregados de corrigir as redações não deverão encontrar essa profusão de dados nos milhões de textos que passarão pela banca examinadora. Impactados pela surpresa do tema — muitos apostavam em meio ambiente —, esses meninos serão obrigados a nos ver, a nos considerar como parte dessa sociedade que se movimenta sem que eles percebam, e que também consome. No Brasil, a “economia prateada” gera R$ 1,6 trilhão por ano. E esse volume continuará aumentando, de acordo com a agência de relações públicas e marketing norte-americana FleishmanHillard.

Saibam, jovens estudantes, que 34% dos idosos contribuem com as despesas das casas. São 38% responsáveis principais pela renda da família, complementando o que ganham com outras atividades para dar conta do orçamento no final do mês, quando são “aproveitados” no mercado de trabalho, e 28% sustentam sozinhos a casa toda, com netos, noras e filhos.

Não somos os “estorvos”, como dizia Paulo Guedes, apesar de muitas vezes “transparentes” para a maioria jovem da população. Em breve, seremos maioria. E como essa juventude lidará com esse dado inarredável?

O país caminhou para esse quadro a partir de 1965, com a criação da BEMFAM — Sociedade Civil Bem-Estar Familiar no Brasil —, entre os anos 1965 e 1980, no âmbito da XV Jornada Brasileira de Obstetrícia e Ginecologia, no Rio de Janeiro, um congresso com a aparência de lutar pelo “planejamento familiar”, quando, na verdade, atuou para a esterilização de mulheres pobres, principalmente no Nordeste. Aliadas a essas ações, as constantes campanhas dos governos de direita pela conscientização da necessidade de redução da taxa de fecundidade levaram a que, desde os anos 1990, o número de nascimentos venha caindo.

Ao fazer a pergunta acima, uma imagem me vem à mente. Num domingo qualquer, quando fazia o trajeto entre minha casa e uma feirinha, deparei-me com policiais em torno de uma lona preta, na esquina onde eu precisava passar. “O que houve?”, quis saber, na minha curiosidade habitual de repórter. “Uma senhora se jogou. Os vizinhos falaram que ela vivia sozinha e que os filhos e os netos a abandonaram. Nunca a visitavam”.

Ali, aquecida pelo sol de outono, a realidade do envelhecimento ilustrou para mim, da forma mais concreta possível, o que pode ser envelhecer no Brasil. Os números acima preenchem o nosso conhecimento, mas a imagem daquela lona preta, que arremata este texto, nos fala de algo muito mais forte: a falta de afeto e de respeito por essa parcela que insiste em viver, mas às vezes desiste.

Denise Assis tem 71 anos e 50 anos de atividade profissional como jornalista.

Tereza Cruvinel

Tereza Cruvinel

Etarismo, preconceito universal em alta

Este não é um problema econômico ou político. Trata-se apenas de mais uma manifestação da estupidez e da mesquinharia humanas

Mais uma vez, ao escolher o tema da redação do Enem, os educadores do INEP (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira) provocaram nossos jovens a refletirem e escreverem sobre temas contemporâneos de alta relevância.

Talvez nem todos os que discorreram na prova de domingo sobre “Perspectivas acerca do envelhecimento na sociedade brasileira” tenham abordado a questão do etarismo, ou idadismo, o preconceito contra pessoas idosas. Afinal, o envelhecimento da população brasileira traz desafios também para os sistemas previdenciário e de saúde, bem como para a assistência social. Cada vez mais, as famílias empurram seus idosos para as instituições de acolhimento, sejam públicas ou privadas.

Se o etarismo, ao contrário dos prognósticos, não tiver sido um dos aspectos privilegiados pelos estudantes em suas redações, será sinal de que estamos ainda piores do que pensamos. Sinal de que este preconceito e seus efeitos nefastos ainda são muito ignorados pelos mais jovens. Quando o mal não é percebido, não é combatido e tende a se agravar.

No entanto, o etarismo é o preconceito mais abrangente, de alcance mais universal — mais que o racismo e o machismo. Ele não atinge as pessoas pela cor da pele, pela etnia, pelas características físicas, pelo status econômico-social, pela religião, pelo gênero ou pela orientação sexual. É universal porque ocorre em diferentes sociedades, embora seja mais agudo em países com menor índice de desenvolvimento humano (IDH).

Suas consequências também são vastas. Idosos são discriminados quando buscam trabalho, apesar de frequentemente carregarem uma experiência que seria positiva para a empresa. Enxotados do mercado de trabalho quando ainda poderiam contribuir para a geração de riqueza, serão um peso econômico para suas famílias ou para o Estado.

A discriminação profissional e o isolamento social, juntamente com os estereótipos negativos sobre ser idoso — são lentos, desatualizados, incapazes, chatos e feios —, levam à depressão e a outras doenças físicas e mentais, ao declínio cognitivo e às enfermidades precoces.

Os “velhos sem previdência” do Brasil vão se encostar no BPC ou vão se tornar “velhos de rua”. Já tivemos as crianças, agora temos uma vasta população em situação de rua, com destaque para os idosos. E mesmo em famílias mais abastadas, eles são ostracizados e cada vez mais são internados em casas de repouso pagas.

Os idosos são tratados como cidadãos de segunda classe, que já não pertencem completamente ao mundo contemporâneo, e por isso não são positivamente representados na mídia e nas imagens sociais. Nem para vender cosméticos “anti-aging” a publicidade se vale de mulheres-modelos mais velhas. Aos idosos são dirigidas expressões depreciativas e, mesmo se isso não é verbalizado, recebem um tratamento paternalista: são tratados com aquela postura de tutela destinada aos incapazes e às crianças.

Mulheres idosas no Brasil
Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil – EBC(Photo: Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil – EBC)Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil – EBC

Se um idoso pede ao filho ou neto que o ensine a fazer uma operação no celular, o mais jovem pega o aparelho e faz a coisa pedida. Não lhe ensina, pressupondo a incapacidade de aprender. Isso é fato corrente.

Numa conexão com o machismo, o etarismo maltrata especialmente as mulheres. Ao longo de toda a vida laboral, nós enfrentamos a inferioridade salarial em relação aos homens, embora hoje tenhamos até uma lei proibindo isso. Na maturidade, somos mais discriminadas que eles no acesso ao trabalho, vítimas da falsa ideia de que perdemos produtividade mais cedo. Nas profissões que valorizam muito os atributos estéticos, muito cedo perdemos competitividade, por mais competentes que sejamos.

Até mesmo as políticas públicas tendem a se preocupar mais com a mulher em idade reprodutiva, relegando a segundo plano aquelas que já cruzaram a linha da menopausa. A prevenção dos cânceres de mama e útero, por exemplo, foca especialmente nas mais jovens, embora as mais velhas também sejam alvo dessas doenças, além da osteoporose, da hipertensão, da hiperlipidemia e de outros males que chegam mais tarde.

Muitas são as formas de invisibilização impostas à mulher na terceira idade, apesar de todas as conquistas que tivemos nas últimas décadas. Temos direitos garantidos e temos força e coragem para lutar pelos que se apresentam como necessidades novas. Conquistamos a liberdade e a independência, temos ampliado nosso papel e protagonismo em tantas áreas, mas, quando a idade chega, enfrentamos a invisibilização.

Ela decorre das desigualdades de gênero que ainda persistem e da falta de políticas públicas específicas. E, ainda quando elas conseguem preservar o protagonismo social ou profissional, tornam-se elementos econômicos, sociais, políticos, profissionais ou familiares, mas já não são vistas como mulheres no que diz respeito à vida sexual e afetiva.

Prevalece a falsa ideia de que o sexo é inexistente, proibido ou desnecessário na terceira idade das mulheres, um estigma decorrente da associação da sexualidade exclusivamente à juventude, quando, em verdade, ela toma formas e necessidades diversas nas diferentes fases da vida.

Enquanto os homens mais velhos, principalmente se têm boa renda, são aceitos por mulheres bem mais jovens para relacionamentos afetivos, às mulheres maduras é negada a possibilidade de reconstruírem seus relacionamentos quando ficam viúvas ou se separam (frequentemente porque o marido apaixonou-se por outra bem mais jovem).

O etarismo e suas manifestações deletérias, infelizmente, vão acentuar-se no Brasil se não o combatermos intensamente agora, pois o percentual da população idosa ainda vai aumentar muito. Este é um dado demográfico que o IBGE já tornou indiscutível.

Entre os anos 2000 e 2023, os idosos passaram de 8,7% para 15,6% da população — ou de 15 milhões para 33 milhões, em números absolutos.

Em 2021, o Brasil tinha 14,7% da população com 60 anos ou mais, ou 31,23 milhões em números absolutos. O aumento foi de 39% quando comparado aos nove anos anteriores. Até 2030, o Brasil deverá ter a quinta população mais idosa do mundo.

Em 2070, as pessoas com mais de 60 anos representarão 75,3% da população.

Muitos problemas advirão dessa inflexão demográfica e teremos que encontrar soluções na hora certa. O etarismo, entretanto, temos que começar a combater agora. Este não é um problema econômico ou político. Trata-se apenas de mais uma manifestação da estupidez e da mesquinharia humanas.

Tereza Cruvinel tem 70 anos e 44 anos de atividade como jornalista profissional.

Florestan Fernandes Júnior

Florestan Fernandes Júnior

O desafio de envelhecer com dignidade no Brasil

O envelhecimento acelerado da sociedade impõe um grande desafio: superar o etarismo, o preconceito com base na idade

O tema da redação do Enem deste ano, “Perspectivas acerca do envelhecimento na sociedade brasileira”, não poderia ser mais oportuno. Os dados do Censo do IBGE apontam para um crescimento significativo da população idosa no país. As pessoas com mais de 60 anos representam hoje cerca de 16% dos 212 milhões de habitantes, e as projeções indicam que, em 2040, a chamada “terceira idade” corresponderá a um quarto da população brasileira.

O envelhecimento acelerado da sociedade impõe um grande desafio: superar o etarismo, que é o preconceito com base na idade. No Brasil, a maioria dos idosos vive com aposentadorias irrisórias, insuficientes para garantir uma vida digna e saudável, justamente no momento em que os cuidados com a saúde se tornam mais necessários. Além disso, conseguir um emprego para complementar a renda é tarefa quase impossível. A discriminação etária no mercado de trabalho reforça a exclusão social e aprofunda desigualdades históricas.

Num país que valoriza a juventude como sinônimo de produtividade e sucesso, o idoso muitas vezes é visto como um peso, e não como alguém que acumulou saberes e experiências fundamentais. Esse olhar excludente desumaniza e empobrece a sociedade como um todo. O etarismo não apenas marginaliza, mas também afeta diretamente a saúde mental e física dos mais velhos, podendo causar depressão, solidão e declínio cognitivo.

Mais do que garantir políticas públicas de amparo, é urgente construir uma cultura que valorize o envelhecimento como parte natural e rica da vida. Respeitar e incluir o idoso é respeitar a própria trajetória da sociedade brasileira, um país que, inevitavelmente, está envelhecendo e precisa aprender a envelhecer com dignidade.

Nas comunidades indígenas, o pajé, o mais velho da tribo, é reverenciado por sua sabedoria, por carregar o conhecimento ancestral, a tradição oral e os costumes de seu povo. O respeito ao tempo vivido é o que mantém a memória coletiva e orienta o futuro.

Nesse sentido, vale lembrar que o presidente Lula, ao completar 80 anos, simboliza essa força da experiência. Ele é um exemplo vivo de que a idade não é um limite, mas um legado. 

Luiz Inácio Lula da Silva celebra seu aniversário
Luiz Inácio Lula da Silva celebra seu aniversário(Photo: Ricardo Stuckert / PR)Ricardo Stuckert / PR

O “pajé” da tribo Brasil segue sendo, com sua trajetória, um dos chefes de Estado mais respeitados do mundo, prova de que o envelhecer pode ser também um ato de resistência, sabedoria e renovação.

Florestan Fernandes Júnior tem 72 anos e iniciou sua carreira jornalística em 1976, no Jornal da Tarde.

Hildegard Angel
Hildegard Angel(Photo: Ilustração / 247)Ilustração / 247

Hildegard Angel

O be-a-bá da velhice

Uma das prerrogativas de se estar velho é acertar pelo menos uma questão do último Enem

Às vezes me surpreendo, quando me tratam com os cuidados e a deferência que se deve a um velho. Se eu não tivesse espelho em casa, até me esqueceria do detalhe. Nas ultimas décadas, repetidamente, pedi para não me chamarem de “senhora” – não me sentia como tal. Agora, aceito, com um misto de conformidade e bom humor, como se por dentro risse de quem assim me considera. 

Certo, ando meio distraída, e confesso minha dificuldade com as senhas, cada vez mais numerosas, e para acompanhar o ritmo das mudanças das regras nos aplicativos que frequento. Uma ginástica que faço com regularidade é a mental. Ela me confere a habilidade de improvisar e dar meu jeito no trato com a tecnologia digital. Quem já nasceu e cresceu nela, não precisa do “jeitinho”, é pena.           

Uma das prerrogativas de se estar velho é acertar pelo menos uma questão do último Enem: “Os desafios do envelhecimento e o etarismo”. 

Quanto mais envelheço, mais eu me convenço de que a velhice não é uma condição, é opção. Os que resistem ao declínio psicológico, mesmo sofrendo de algum declínio físico, vivem bem. São felizes. Não há desafio, há uma disposição ou não de envelhecer. 

Ontem, fui ao aniversário de um amigo, 80 anos, no Clube dos Macacos, no Jardim Botânico. Lotou com cabeças, barbas e barbichas brancas. Nenhuma cirurgia plástica, nenhum traço de botox. Vidas plenas, rostos e corpos assumidos. Não eram corpos nem rostos, eram condecorações por serviços prestados ao Brasil. Neles estavam impressos sonhos e lutas, que viraram livros de memória e História, se tornaram teses, cátedras, dissertações. Se havia desafio para aquela turma da esquerda no aniversário de Agostinho Guerreiro – o sobrenome o explica – era a escadaria de acesso. 

Contudo, os que militaram durante a ditadura militar, foram às ruas, caíram na clandestinidade, trocaram de identidade, reuniram-se em aparelhos, pegaram ou não em armas, foram presos, torturados, perderam seus companheiros, partiram para o exílio, sobreviveram, retornaram e reconstruíram suas vidas escalaram a escadaria numa boa. Eu, que não fiz nada disso, fui salva pelo corrimão. 

Todas as pesquisas sobre a velhice que fiz esta semana para escrever este texto, que incluíram das obras de Machado, Clarice e Lúcio ao memorando do Departamento de Estado dos EUA às suas missões diplomáticas no exterior para que sejam negados vistos aos obesos, doentes e idosos, todo esse conhecimento reunido não me deu a resposta, que encontrei ali, na escuridão do Clube dos Macacos, entre palmeiras centenárias e vibrantes amigos quase centenários, numa entusiasmada confraternização adolescente – o tônico da juventude é abraçar causas e sonhos que valham o preço da própria vida.

E vivam os 80 anos de Agostinho, Dulce Pandolfi e todos os presentes àquela festa, que virou texto, que vai virar livro. Muito obrigada por mais esta lição. Os bancos escolares não fecham as portas para quem não se fecha a eles.

* Dulce Pandolfi é aquela presa política que foi usada como “modelo” pelos militares em suas “lições de tortura” aos novatos torturadores.

Hildegard Angel tem 76 anos e trabalha ininterruptamente desde os 18.

Miguel Paiva

Miguel Paiva

Envelhecer no Enem e no Brasil

Esta é a perspectiva melhor que pode existir. Criar condições para que o envelhecimento venha de modo suave e gratificante

Dia desses, fazendo O Barato da Idade na TV247, que tem tudo a ver com esse tema, perguntei à Márcia Carmo, nossa correspondente em Buenos Aires, se era verdadeira a minha impressão de que a Argentina é um país mais idoso que o Brasil, nos hábitos, na cultura e no respeito aos mais velhos. Ela concordou, apesar de o presidente Milei gostar e cantar rock and roll. A cultura argentina é menos transformável que a nossa, menos influenciável, menos sujeita às variações, resultado de uma colonização mais europeia, mais conservadora.

Isso serve de introdução ao tema da redação do Enem deste ano e deste artigo, que fala das perspectivas do envelhecimento no Brasil. Colocar “perspectivas” e “envelhecimento” na mesma frase já é um desafio. O envelhecimento pressupõe, sobretudo, a diminuição de perspectivas.

Os argentinos ainda cultuam — e muito — o peronismo, que nos últimos tempos envelheceu demais, mas carrega no bojo elementos importantes justamente para a estabilidade social, como o sindicalismo. Nada mais velho e, portanto, fora de moda aqui no Brasil. Aliado à aposentadoria, ao sistema de saúde, ao regime tradicional de trabalho, fomos rejuvenescendo no mau sentido, na forma e nas soluções sociais, na presença do Estado cada vez mais distante. O idoso hoje se vê afastado de qualquer solução mais ampla.

No filme O Último Azul, de produção recente brasileira, os idosos são levados para uma espécie de colônia porque causam muitas despesas aos mais jovens. Não servem mais à sociedade. Este, na realidade, é o mote geral do que vem acontecendo. Apesar de muitos idosos continuarem a produzir — e bem —, e comprovamos isso no programa O Barato da Idade, a sociedade no Brasil não só os segrega como desvaloriza seu legado. A experiência perde sua importância e, junto com a meritocracia e o empreendedorismo, as características da juventude prevalecem. Os resultados são outros, é claro, mas a mentalidade é esta.

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Ilustração (Photo: Miguel Paiva)Miguel Paiva

Está no jovem a produção, e não mais a revolução ou a transformação de antes. As perspectivas do envelhecimento não passam por qualquer transformação. Passam pela manutenção desta estrutura, que só facilita os ganhos de mercado e anula totalmente qualquer possibilidade de planejamento de bem-estar social que possa privilegiar os mais velhos. 

O mundo virou um lugar para os mais jovens, mas sem planos na cabeça. E aí temos outra contradição: jovens e transformações podem e devem viver na mesma frase. São características típicas. Mas, dentre as transformações esperadas, não estão as que melhoram a perspectiva de vida dos mais velhos. Todos os jovens serão idosos um dia. E isto é uma vitória. Significa que chegaram lá.

Esta é a melhor perspectiva que pode existir: criar condições para que o envelhecimento venha de modo suave e gratificante. Estamos cada dia mais longe disso e, talvez, para isso tenhamos que ressuscitar coisas antigas, como bem-estar social e aposentadoria. Não vejo outra maneira de fazer da velhice um momento feliz.

Miguel Paiva tem 75 anos e é jornalista desde 1967.

Mario Vitor Santos

Mario Vitor Santos

A redação do Enem aponta para a opção real e concreta para combater o etarismo: Lula

“Lula acima de tudo personifica a ideia de que o amor por uma causa renova e rejuvenesce, afasta o tempo, a solidão e a depressão”

“Perspectivas acerca do envelhecimento da população brasileira” foi o tema da redação do Exame Nacional do Ensino Médio.

O tema remete imediatamente para o agravamento da situação de dificuldades econômicas vivida pelos velhos de agora, agravada imensamente pela realidade especial de envelhecer sob a hegemonia das ideias neoliberais.

Remete também para aquele que representa um modelo de possibilidades para usar como alternativa ao neoliberalismo. A trajetória, os compromissos e, principalmente, a candidatura à reeleição de Lula são a grande esperança de reverter a situação de extrema dificuldade que vive a grande maioria dos idosos e a perspectiva ainda mais sombria que aguarda os idosos de amanhã.

08.11.2025 - Parque da Cidade - Belém (PA) - O presidente Luiz Inácio Lula da Silva na COP30
08.11.2025 – Parque da Cidade – Belém (PA) – O presidente Luiz Inácio Lula da Silva na COP30 (Photo: Ricardo Stuckert/PR)Ricardo Stuckert/PR

Aos 80 anos, Lula é o idoso que se fez necessário, único e insubstituível. É a exceção da exceção que confirma a regra, em seu desafio, quase deboche, às imposições da idade. Exemplo de sucesso, autoestima e autocuidado, Lula não se oferece apenas. Ele se revela indispensável. Muito mais atende a um clamor de um país que, uma vez mais, vê nele a chance de um futuro melhor. Lula é o idoso essencial. Lula é a luta de classes encarnada. Ele é o tipo ideal que desmente o descarte dos corpos vividos — descarte praticado pelo capitalismo e tornado credo pelo neoliberalismo.

Lula é a possibilidade de reversão do modelo neoliberal. Este inviabiliza a previdência social decente e universal e o Sistema Único de Saúde, cujo aperfeiçoamento é tão necessário, especialmente para os idosos.

Será necessário, se Lula for eleito, fazer uma reviravolta no garrote da informalidade que condena os atuais e futuros idosos à velhice indigna. É tarefa de afirmação do país mobilizar os trabalhadores para desmontar os diversos gargalos que estrangulam, num projeto deliberado, a Previdência Social.

Só a vitória de Lula dará oxigênio a essa refundação, pelo serviço público de qualidade, da verdadeira cidadania.

Se alguém tem condição de afastar essa sombra — a da precarização da Previdência e do SUS — que paira sobre o presente e o futuro de todos, é Lula. Qualquer outro candidato apressará a devastação imprevidente.

Lula, acima de tudo, personifica a ideia de que o amor por uma causa renova e rejuvenesce, afasta o tempo, a solidão e a depressão. Será ele a avis rara e uma inspiração para que todos, em especial os mais velhos, mas também os velhos de amanhã, partam com todo o vigor para derrotar o etarismo. Se este, afinal, recuar, não será a primeira ruptura de tabus de uma geração rebelde que, ao chegar a sua vez, acostumou-se a impor novos hábitos.

Mario Vitor Santos tem 70 anos e é jornalista desde 1980.

José Reinaldo Carvalho

José Reinaldo Carvalho

Valorizar o idoso em uma sociedade etarista que cultua a juventude

Crescimento acelerado da população idosa expõe falhas estruturais, desigualdade e preconceito etarista no país

Em boa hora, o tema da redação do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) deste ano foi “Perspectivas acerca do envelhecimento na sociedade brasileira”. Oxalá isto ajude a criar um clima favorável e uma elevação da consciência social para o combate à violação dos direitos da população idosa e ao etarismo.

O Brasil está envelhecendo em um ritmo sem precedentes. Ao que tudo indica, sem preparo suficiente para lidar com as consequências deste processo. Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostram que o número de pessoas com 60 anos ou mais saltou de 19,6 milhões em 2010 para mais de 32 milhões em 2022, o equivalente a cerca de 15% da população. Em pouco mais de uma década, o país deverá ter mais idosos do que crianças. Esta transformação demográfica, que nas nações europeias levou mais de um século, está ocorrendo em pouco mais de 30 anos no Brasil, sem que a estrutura social e econômica tenha acompanhado a mesma velocidade.

Trata-se de um fenômeno estrutural e inevitável: a taxa de fecundidade caiu, a expectativa de vida aumentou e o perfil populacional se desloca rapidamente para as faixas etárias mais elevadas. O que deveria ser motivo de celebração, pois viver mais é uma conquista civilizatória, depara-se com uma série de deformações socioeconômicas e psicossociais, tornando-se não um fenômeno característico de pujança social, mas de fragilidade. O país que idolatra a juventude parece não saber o que fazer com sua própria velhice. E no centro deste paradoxo está uma doença social silenciosa e persistente: o etarismo, o preconceito baseado na idade.

Envelhecimento e exclusão

O avanço da longevidade tem efeitos profundos sobre o sistema de saúde, a previdência e o mercado de trabalho. O envelhecimento populacional aumenta a pressão sobre o SUS, que precisa lidar com doenças crônicas e múltiplas, exigindo acompanhamento contínuo e infraestrutura adequada. A Previdência, por sua vez, enfrenta desequilíbrios financeiros.

No mercado de trabalho, a exclusão é brutal. Milhares de idosos são empurrados para a informalidade, enfrentam dificuldades de recolocação e sofrem com a precarização. Muitos sobrevivem com aposentadorias insuficientes, incapazes de cobrir despesas básicas como moradia, alimentação e medicamentos. O resultado é o empobrecimento de uma parcela crescente da população. Não são poucos os que caem na miséria. 

Os idosos também são vítimas de invisibilidade. Sua experiência, sabedoria e capacidade de contribuição social são sistematicamente desvalorizadas em nome de uma cultura que exalta a produtividade e a aparência jovem. Em um país onde a juventude é vendida como privilégio, valor e virtude, a velhice acaba sendo tratada como defeito e o envelhecimento como atestado de fracasso individual.

O abismo entre a lei e a realidade

Desde 2003, o Brasil possui uma legislação avançada para a proteção da população idosa: o Estatuto da Pessoa Idosa. O texto garante prioridade no atendimento, assegura benefícios sociais, criminaliza maus-tratos e estabelece o direito a um envelhecimento digno. No papel, trata-se de um marco civilizatório. Na prática, contudo, sua aplicação é desigual e frequentemente ignorada.

A ausência de fiscalização, a falta de orçamento específico e o desconhecimento generalizado sobre os direitos assegurados tornam o Estatuto, em muitos casos, uma promessa vazia. A efetividade da lei depende da vontade política de governos locais e da capacidade de articulação da sociedade civil. 

No campo da saúde, o Sistema Único de Saúde (SUS) é universal, mas enfrenta limitações severas. A falta de profissionais especializados em geriatria, a carência de programas de reabilitação e a dificuldade de acesso a exames e medicamentos afetam diretamente a qualidade de vida dos idosos. Serviços de cuidado de longa duração e políticas de apoio a cuidadores familiares ainda são exceções, restritas a poucas cidades. 

A rede de assistência social também revela lacunas. Muitos municípios não possuem centros de convivência, programas de inclusão digital ou espaços de socialização voltados à terceira idade. Isto agrava a solidão, o isolamento e a sensação de abandono que marcam o envelhecer no Brasil.

O etarismo 

O etarismo é a face mais cruel deste cenário. Ele se manifesta em gestos cotidianos, piadas, olhares e políticas que marginalizam quem envelhece. Está nas empresas que evitam contratar pessoas acima dos 50 anos, na mídia que retrata o idoso como incapaz, na indústria da beleza que vende juventude como mercadoria e até no discurso médico que identifica o envelhecimento como doença.

Este preconceito tem efeitos devastadores. Mina a autoestima, favorece a depressão, aprofunda o isolamento e desumaniza o envelhecer. Muitos idosos acabam confinados em casa, privados do convívio social e sem perspectiva de reintegração. O resultado é uma velhice solitária, em um país que ainda não aprendeu a valorizar a experiência e o tempo.

Mais do que uma questão cultural, o etarismo é uma forma de exclusão social que reforça desigualdades e fere princípios básicos de cidadania. Ao negar o valor dos mais velhos, a sociedade nega parte de sua própria história e compromete o futuro coletivo.

A urgência de mudar mentalidades e políticas

Superar esta realidade exige mais do que boas intenções: requer uma profunda transformação de mentalidade e ação efetiva do Estado. O combate ao etarismo deve começar pela educação e pela comunicação, com campanhas públicas que mostrem o envelhecimento como uma etapa natural e plena da vida. É preciso desmontar a ideia de que produtividade tem idade e de que o valor de uma pessoa se mede por sua aparência ou capacidade física.

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SUS – Sistema Único de Saúde (Photo: Agência Brasil )

Diante do aumento do número de idosos e das deficiências na promoção de direitos deste segmento populacional, torna-se urgente desenvolver políticas públicas consistentes em fornecer uma adequada assistência médica; proporcionar oportunidades para transmitir suas experiências, bem como para atualizar e renovar seu aprendizado. Aos idosos deve ser assegurada a oportunidade de contribuir com a sociedade. Isto requer a adoção de leis efetivas e a realização de políticas públicas garantidoras de direitos específicos, bem como o amplo envolvimento de toda a sociedade nos esforços para cuidar dos idosos. Por meio de políticas e orientação da opinião pública, o Estado deve empenhar-se na criação de um ambiente social favorável à vida do idoso em todas as dimensões, inclusive a vida associativa, a representação política em distintas esferas e o amplo acesso aos bens culturais. A criação de redes de apoio, a participação em grupos e a reivindicação por seus direitos são formas de construir uma velhice mais ativa e menos solitária.

Nesse sentido, é imperativo fortalecer o SUS para o atendimento geriátrico com foco na atenção integral;criar uma rede de proteção social que inclua centros de convivência, programas de cuidado domiciliar e suporte aos cuidadores familiares; incentivar a inclusão produtiva do idoso, com políticas de emprego e empreendedorismo adaptadas à condição etária.  

Também é indispensável assegurar a efetiva implementação do Estatuto da Pessoa Idosa, com orçamento garantido, mecanismos de fiscalização e punições exemplares a quem violar seus princípios. O Estado, a sociedade e as famílias devem compartilhar a responsabilidade pelo cuidado, reconhecendo o envelhecimento como parte essencial da vida humana. 

Envelhecer é conquista 

A longevidade é uma das maiores vitórias da humanidade. Mas, para que ela não seja vista como fardo, doença ou pecado, o país precisa transformar o modo como enxerga o envelhecer. Um Brasil que aspira ao desenvolvimento e à prosperidade deve ser capaz de oferecer dignidade, autonomia e reconhecimento a todos, independentemente da idade.

Envelhecer não é um desvio nem deformação, mas evolução do ser humano. É um direito, um ciclo da vida que deve ser vivido com plenitude e respeito. Valorizar os idosos é valorizar a própria história nacional e preparar o futuro de um país que, inevitavelmente, será cada vez mais velho, mas pode ser também mais justo, sábio e humano. 

José Reinaldo Carvalho tem 70 anos e é jornalista desde 1979.

Lejeune Mirhan

Lejeune Mirham

Envelhecer no Brasil

Gostaria que a imensa maioria dos idosos e das idosas do nosso Brasil pudesse ter a oportunidade de envelhecer como eu tive

Parece que o tempo corre diferente em momentos distintos de nossas vidas. Quando somos crianças e jovens, e até mesmo em certa fase da vida adulta, ele parece passar mais lentamente. Mas, a partir de um certo momento, quando nos damos conta de que a velhice chegou — e ela vem para ficar —, a velocidade do tempo parece se acelerar. Há até estudos que mostram esse fenômeno.

Ainda “outro dia”, em dezembro de 2006, eu completava 50 anos. Comemoração modesta, com a filha amada, praticamente recém-formada, a ex-esposa e grande amiga, uma cunhada (já falecida), a mãe saudosa e um grande amigo. E só isso. Época de festas simples e modestas. Mas hoje já me dou conta de que estou prestes a completar quase 70 anos (em dezembro do ano que vem). E lá se vão quase 20 anos — que passaram como um jato.

A vida não tem sido fácil. Imagino que para a maioria do povo brasileiro. Até sinto-me privilegiado por ter conseguido me formar, fazer um mestrado, tornar-me professor universitário. Sempre com dois empregos e ambos fora da cidade em que escolhi para morar e constituí família — Campinas (trabalhei 30 anos em São Paulo e 22 anos em Piracicaba, na Unimep).

Não posso reclamar. Completarei 69 anos no dia 22 de dezembro próximo. Com uma saúde boa no geral, ainda que tenha tido muitos sustos ao longo da vida, sempre salvo pela ciência. Tomo todos os cuidados de praxe e as medicações recomendadas pelos médicos. Sei bem que as mulheres vivem mais porque se cuidam, vão mais aos médicos. Também faço isso. Não descuido da saúde. O segundo casamento me presenteou com uma esposa que zela pelos meus hábitos alimentares e não descuida desse aspecto de nossa vida.

Não sei se envelhecer em um país como o Brasil pode ter um padrão geral. É provável que não. Imagino que a imensa maioria dos e das idosas viva com maior dificuldade do que aquelas com as quais me deparei nas quase sete décadas de vida que levei até agora. A imensa maioria dos idosos depende quase que exclusivamente do Sistema Único de Saúde — SUS, um dos melhores do mundo, diga-se de passagem.

No entanto, por circunstâncias de vida e profissionais, sempre pude ter acesso ao sistema complementar de saúde, que é um sistema privado. Que não cuida da saúde de verdade, pois eu só procuro os médicos quando me encontro doente. Minha saudosa mãe, que faleceu em junho passado, aos 91 anos, era paciente do SUS. O sistema cuidava de verdade de sua saúde. Ligavam para nossa casa alertando quando ela deveria comparecer ao posto para as consultas de rotina etc.

Trabalho desde os 21 anos. Como filho egresso de uma família de classe média baixa, ingressei tarde no mercado de trabalho. Aposentei-me tarde também. Ao todo, trabalhei 41 anos. Mas penei para comprovar 35 anos de recolhimento previdenciário. Nessas mais de quatro décadas trabalhadas houve 72 meses de “buracos”, sem recolhimentos. Descuidos de um jovem, à época, que não pensava que um dia o futuro chegaria e aqueles meses fariam muita falta.

Envelhecer no Brasil é ser também avô. E acho que fui avô mais ou menos no tempo certo. Aos 58 anos, minha filha me presenteou com meu primeiro neto e, quatro anos depois, veio o segundo — hoje ambos com 12 e 8 anos, respectivamente. Adoráveis e inteligentes crianças. Leitoras vorazes como a mãe e o avô. Adoram a minha imensa biblioteca e, todas as semanas, quando vêm à nossa casa ou quando vou à deles, me mostram a página em que se encontram nos livros que estão lendo naquela semana. São motivos de muito orgulho para nossa pequenina família.

Não criamos nossa filha sob nenhuma religiosidade. Nenhuma mitologia ou divindade esteve presente em sua vida até o tempo em que ela dependia dos pais para a formação de sua consciência. Depois que ela “levantou seu próprio voo”, as escolhas mudaram de posição, ainda que eu sinta que nunca tenham se alterado substancialmente.

Isso vale para a minha vida pessoal. Desde meus 18 anos, quando me tornei comunista e abracei o materialismo dialético como filosofia de vida e o materialismo histórico como forma de análise da sociedade, não tive a absoluta necessidade de religiosidade em minha vida cotidiana. Ao contrário, tenho feito de minha existência uma vida de estudos, leituras e pesquisas sobre os mais diversos ramos da ciência. Orgulho-me de minha biblioteca, que reúne 22 áreas de conhecimento entre os mais de 10 mil livros que já adquiri nestes 50 anos acumulando esse objeto de desejo cotidiano.

idosos-cuidadores
idosos-cuidadores(Photo: Agência Brasil)Agência Brasil

Por fim, sei que nem todos os que envelhecem registram suas vidas e os momentos históricos nos quais se situam nas sociedades em que estão inseridos, mas sempre escrevi e registrei fatos e dados. Publiquei centenas, talvez milhares de pequenos artigos e ensaios em dezenas de órgãos. E, de 2003 para cá, eis que me vi escritor, já agora com 23 obras publicadas — algumas como organizador, outras como coautor. E assim pretendo terminar meus dias neste planeta, até o momento em que retornarei à poeira cósmica de onde todos viemos.

Não sabemos o dia de amanhã. A única coisa que sei é que a senda do envelhecimento é imparável. Na parede de um dos corredores de casa há fotos de minha mãe bebê, da minha foto nessa condição, da minha filha e dos meus netinhos. Tenho fotos de meus avós, dos meus pais. O envelhecimento é inevitável e todos devemos estar preparados para isso.

Por certo, gostaríamos de viver mais e em condições melhores, com mais saúde. No meu caso, viver mais é seguir lutando pelos mesmos ideais que abracei quando jovem, aos 18 anos, que continuam vivos e bastante acesos em mim — cuja chama espero que jamais se apague —, quais sejam: termos uma sociedade justa e igualitária, o socialismo e o poder proletário implantado no país. Além disso, sonho em escrever ainda muitos e muitos livros — ou, pelo menos, conseguir publicar os cinco que já estão prontos e para os quais não existem recursos disponíveis ainda (rsrsrs).

Gostaria que a imensa maioria dos e das idosas do nosso Brasil pudesse ter a oportunidade de envelhecer como eu tive. Nunca foi um mar de rosas. Sempre endividado, fazendo empréstimos (era freguês do penhor da Caixa…). Mas, felizmente, conseguimos superar tudo isso. Formamos uma filha excepcional, um exemplo de cidadã, de profissional como advogada e como mãe. Uma família consciente politicamente. E uma segunda esposa, além de linda, também combativa e profissionalmente muito competente. Envelhecer assim, rodeado de pessoas conscientes e amáveis, cercado por livros e pregando pelos canais do YouTube a revolução socialista todos os dias — não é o que todos queríamos?

Lejeune Mirham tem 68 anos e trabalha desde os 19 anos de idade.

Marcelo Auler

Marcelo Auler

O futuro incerto da terceira idade

O envelhecimento da população expõe a falta de preparo do Brasil para garantir dignidade e sustento à terceira idade

É no dia a dia, na chamada rotina do cidadão, que sentimos como a sociedade brasileira já não se mostra realmente preparada para a maior longevidade que a ciência vem garantindo a todas e todos. Nas filas que se formam em um supermercado ou farmácia, percebe-se com clareza certo “desprezo” pela chamada terceira idade.

Desde o início dos anos 2000, a legislação brasileira determinou o chamado “atendimento prioritário e preferencial” a pessoas com 60 anos ou mais em diversas situações. Teoricamente, tais cidadãos deveriam ser atendidos prioritariamente. Mas isso acaba não ocorrendo.

Diante do crescimento da terceira idade, que implica um maior número de idosos com atendimento preferencial, o jeitinho brasileiro inventou a chamada “fila preferencial”, que muitas vezes provoca uma demora ainda maior para quem deveria ter prioridade.

Esse detalhe das filas nas lojas comerciais é uma pequena amostra da falta de preparo da sociedade para algo inexorável: os idosos, muito em breve, serão mais numerosos do que os jovens ou mesmo os adultos com menos de 60 anos.

A questão das filas será fator de menor importância diante de outros aspectos que se anunciam inexoráveis, tais como o “custo” da terceira idade para a sociedade como um todo.

Já nos dias atuais, são muitos os idosos que, mesmo tendo contribuído com a Previdência Social, não recebem aposentadorias suficientes para o próprio sustento. Dificuldade ainda maior enfrentam aqueles que, por motivos diversos, jamais adquiriram um imóvel.

Isso faz crescer o número dos que hoje, por conta dos aluguéis nas grandes cidades, refugiam-se nas periferias (em condições precárias) ou em cidades menores do interior. Distanciam-se de suas antigas convivências.

Marcelo Auler, o repórter, ao centro, durante a recente chacina na Vila Cruzeiro
Marcelo Auler, o repórter, ao centro, durante a recente chacina na Vila Cruzeiro(Photo: Brasil 247)Brasil 247

Se até recentemente era comum encontrar aposentados que ajudavam no sustento dos familiares, hoje é mais fácil esbarrar em casos de idosos que se juntam aos filhos ou outros dependentes para somarem as rendas e, juntos, sobreviverem — ainda assim com dificuldades.

Situação que tende a piorar à medida que percebemos que, a cada dia, o número de contribuintes da Previdência Social se reduz, na mesma proporção em que diminui a quantidade de trabalhadores com registro profissional.

A precarização do trabalho provocará, nas próximas gerações, uma maior dificuldade de sobrevivência. Muitos idosos não contarão com aposentadorias suficientes para o sustento, nem terão chances em um mercado de trabalho que, a cada dia, fica mais automatizado e robotizado.

Portanto, a sobrevida dos idosos no futuro precisa passar a ser uma preocupação premente e permanente dos nossos governos. Está diretamente associada à questão do trabalho precarizado, que vem sendo a opção para jovens e novos profissionais de um modo geral — mas não apenas isso.

Pode depender ainda de novos programas sociais que incluam, por exemplo, fundos especiais em substituição ou complementação à arrecadação previdenciária, os quais garantam o sustento dos que tiverem rendas insuficientes.

Ou seja, os que hoje se sentem incomodados com o tamanho das filas de “prioritários” precisam se preocupar é com os mecanismos que a sociedade terá para garantir, futuramente, a sobrevida dos idosos — entre os quais eles próprios poderão estar incluídos.

Marcelo Auler tem 70 anos de idade e 53 anos de jornalismo.

Regina Zappa
Regina Zappa(Photo: Ilustração / 247)Ilustração / 247

Regina Zappa

É preciso olhar com cuidado para o momento mais completo da vida

Com sorte, os jovens envelhecerão. Com consciência e política, irão preparar um futuro onde haja respeito e dignidade para aqueles velhos que querem liberdade e autonomia

Assisti recentemente a um filme argentino chamado “27 Noites”, dirigido por Daniel Hendler, em que a atriz Marilu Marino interpreta uma senhora de 83 anos que é internada em uma clínica por suas filhas por 27 noites porque achavam que a mãe já não tinha condições psiquiátricas de viver só. O filme é baseado na história real de Natália Cohen, artista e escritora argentina, uma mulher livre e independente, que é internada contra sua vontade e com laudos psiquiátricos questionáveis. 

Liberdade, envelhecimento e autonomia, assim como a ideia de envelhecer com dignidade, são temas do filme que convidam à reflexão, sobretudo de uma geração em que a velhice já é uma realidade. Mas é também importante que as gerações mais novas pensem no assunto. Por isso, me chamou a atenção quando uma amiga mais jovem com quem eu conversava domingo passado olhou uma mensagem no celular e me falou, com espanto: meu filho acabou de sair do Enem 2025 e disse que a prova de redação foi sobre envelhecimento e etarismo.

O fato do tema ter surgido em um ambiente acadêmico, convidando os candidatos, a maioria jovens, a refletirem sobre o assunto é extremamente importante. Afinal, a escrita obriga a pensar. “Perspectivas acerca do envelhecimento na sociedade brasileira”. O que terão os candidatos à universidade escrito sobre um assunto tão distante de sua realidade? 

Assistimos nas últimas décadas ao fortalecimento de movimentos importantes relacionados a preconceitos estruturais da nossa sociedade contra o negro, contra a comunidade LGBTQIA+, contra a mulher, mas o anti-etarismo ainda não se consolidou como um movimento da sociedade.

Em 25 anos, dizem especialistas, vai dobrar a parcela de idosos no Brasil e isso vai pressionar ainda mais o país por um sistema de saúde que consiga tratar os idosos mais pobres, por um ambiente de trabalho que acolha aqueles que ainda estão aptos a trabalhar, aproveitando toda sua experiência, por uma sociedade consciente de que o cuidado com os mais velhos não é apenas uma questão social e humanitária dirigida a uma geração, mas um desafio global. Só com essa consciência de toda a população é que se pode clamar pela adoção de políticas públicas e reclamar maior envolvimento do Estado.

Cena do filme 27 noites
Cena do filme 27 noites(Photo: Divulgação)Divulgação

Sinto-me bem confortável com minha idade, já cheguei aos 70, tenho aposentadoria, mas ainda trabalho bastante em áreas que gosto e convivo com muitos companheiros da minha geração, mas também de gerações mais jovens, em um veículo, o Brasil 247, que sabe valorizar a experiência e o conhecimento dos mais velhos. O espelho talvez não corresponda à imagem que temos de nós mesmos quando a vida é vivida com entusiasmo e alegria. Muitos de nós nos sentimos ainda jovens e dinâmicos e capazes de viver com intensidade, como a personagem daquele filme argentino.

O trabalho traz um sereno sentimento de satisfação e a convivência com família, amigos e colegas afasta a solidão e fortalece a vontade de continuar.

Mas penso nos milhares de idosos em nosso país que não tiveram a mesma oportunidade de envelhecer com segurança, amparados por um plano de saúde ou por um trabalho que caiba na sua maior fragilidade física ou por seu entorno social. É, sobretudo, para eles que serve a redação do Enem. Serve para conscientizar os jovens da necessidade da implementação das leis que defendem os direitos dos idosos. Sim, elas existem, como Estatuto do Idoso, de 2003, ou a política Nacional do Idoso, lei de 1994, mas precisam funcionar.

Com sorte, os jovens envelhecerão. Com consciência e política, irão preparar um futuro onde haja respeito e dignidade para aqueles velhos que querem liberdade e autonomia, mas também para os que já não conseguem cuidar de si mesmos. Todas as fases da vida podem ser boas e cada uma tem suas dores e delícias. Cabe a todos nós avançar com o processo civilizatório e permitir que as delícias superem as dores no momento mais completo da vida.

Regina Zappa tem 70 anos e quase meio século de atividade profissional.

Alex Solnik

Alex Solnik

Envelhecer? Sou contra!

Felizes são as árvores e as tartarugas

Não sei de quem foi a ideia de que a gente tinha que envelhecer. Muitos atribuem a Deus; outros garantem que é porque a Terra gira e, se ela parar, já viu: poderemos cair no abismo das trevas.

Seja de quem for, foi uma péssima ideia.

Não vou ser radical. Envelhecer um pouco até que não é de todo ruim. Seria um tédio a gente ter para sempre uns três anos de idade e viver entre chupetas e mamadeiras. A gente podia envelhecer até uns 30, 40, por aí. Cada um teria o direito de apertar um botão que faria com que não envelhecesse mais a partir da idade que quisesse.

Não estou advogando em causa própria. Defendo a tese para o bem de todos. Uma nação de velhos não serve para nada. Talvez por isso essa força superior (ou astral) decidiu que a solução seria matar os velhos. E as velhas. Ficou velho? Morra!

Milênios depois, está na hora de reconhecer que foi uma solução inadequada. Em vez de matar, mais inteligente seria barrar o envelhecimento antes de a pessoa virar um inútil.

Não me perguntem como fazer isso agora, mas, no tempo em que pessoas aparentemente comuns batiam grandes papos com Deus no alto das montanhas, havia como.

Outra boa solução seria aplicar aos seres humanos a mesma fórmula das árvores. Muitas delas, com mais de mil anos, estão mais fortes do que nunca, continuam produzindo flores e frutos e não apresentam sinais de debilidade. Mas, em compensação, nunca saem do lugar. Isso é vida?!

Populações de tartarugas marinhas crescem no Brasil
Populações de tartarugas marinhas crescem no Brasil

Há quem inveje as tartarugas, que vivem duzentos anos numa boa. Só que, durante duzentos anos, carregam a casa nas costas!

Agora que Inês é morta, um conselho que lhes dou: não tenham pressa de envelhecer. Não caiam na lenda de que, tal como vinho, quanto mais velho, melhor. Ou quanto mais velho, mais sábio. Não caiam na história de que “o velho diabo é mais esperto não por ser diabo, mas por ser velho”. E muito menos na empulhação de que é “a melhor idade”. Ou a “terceira”. Como se houvesse uma “quarta”. Nem que andar de graça de ônibus e metrô compensa.

Também aconselho a pressionar deputados e senadores a destinarem verbas para pesquisas sobre “envelhecimento zero”. Os cientistas que se virem! Já inventaram tanta coisa, não custa inventar mais uma.

Não acho que, se as pessoas pararem de envelhecer, a Terra vai parar de girar.

Alex Solnik tem 76 anos e 60 de jornalismo.

Moisés Mendes

Moisés Mendes

A crueldade do tema da redação do Enem

Adultos que não enxergam futuro para os jovens esperam que eles reflitam sobre o horror que os espera na velhice

Adultos maduros sempre acharam que os jovens nunca souberam e nunca quiseram saber o que poderia acontecer com a sua juventude no mês seguinte. Hoje, eles não desejariam saber o que está a esperá-los na semana que vem.

É assim que acontece, mesmo que adultos maduros tenham um dia sido jovens desligados. São de muitos deles, desses adultos maduros, os textos que se repetem na internet, com abordagens jornalísticas ou acadêmicas, ou meros palpites, informando que os jovens da geração Z não querem saber do futuro imediato deles mesmos.

Haveria inutilidade nesse esforço de tentar enxergar mais adiante com um mínimo de esperança ou otimismo. Uma frase síntese desse comportamento pode ser tirada das muitas declarações de jovens sobre o sentimento de desilusão: dedique-se ao momento sem empenho, sonhos e fantasias, porque o amanhã é deprimente.

A geração Z, dos nascidos entre 1997 e 2012, estaria vendo cenários deprimentes porque seria a mais desencantada e depressiva das gerações do pós-guerra. São, pelo clichê mais usado, os nativos digitais.

Essa geração, que já pode ter quase trintões, forma a maioria dos participantes do Enem hoje. Dos 4,8 milhões de inscritos, bem mais da metade tem entre 16 e 19 anos de idade. São 2,6 milhões.

Eles foram provocados por esse apelo no tema da redação: escrevam sobre “Perspectivas acerca do envelhecimento na sociedade brasileira”. O jovem foi convocado a refletir sobre pautas que os adultos maduros não conseguem resolver.

O tema da velhice longínqua é quase uma crueldade com quem não vê perspectiva de futuro para daqui a alguns meses. Mas pedem que eles falem dos idosos — porque ninguém mais pode ser chamado de velho —, olhando os que estão ao seu redor nessa sociedade que maltrata a velhice.

Vocês, que não pensam mais como seus pais e avós pensavam, que não se dedicam com romantismo à trajetória clássica da formação que levaria a alguma profissão e à estabilidade — vocês devem nos dizer como enxergam a velhice.

Coloquem-se na situação dos idosos de hoje e tentem ver em perspectiva — porque essa é a exigência do tema da redação — o que será de vocês daqui a 40, 50 ou 60 anos.

Não há como fugir de uma pauta escamoteada por todos, do setor público às instituições, em todas as instâncias, em séculos e em todas as décadas recentes. Mas não deixa de ser uma crueldade com os jovens.

Gerações de adultos já a caminho da velhice, que cuidam dos velhos de forma precária, quando cuidam, pedem que os jovens reflitam sobre a velhice, a individual e intransferível, e também sobre a velhice coletiva.

Essa geração jovem, que na maior parte do mundo branco não tem a memória de guerras e de grandes traumas, é convidada a antecipar um retrato crítico da velhice que vem aí e que pode ser pior que a do século 20 e da que se apresenta diante dos seus olhos hoje.

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Estudantes no primeiro dia de provas do Enem(Photo: Paulo Pinto/Agência Brasil)Paulo Pinto/Agência Brasil

Dirão que todos temos, no nosso entorno familiar ou de conhecidos próximos, muitos jovens que subvertem esse perfil associado ao desencanto com o mundo desgovernado e desorientado das pessoas maduras. Mas não é deles que estamos falando.

Pesquisas dizem que a geração do Enem é, das últimas em sua fase jovem, a que mais está pronta para desistir da escola, do trabalho e dos apelos para que se aperfeiçoe profissionalmente. Porque o futuro se escondeu atrás de sombras formadas pelos adultos maduros.

Mas, mesmo assim, o Enem os convida ao sacrifício de escrever sobre a velhice. O apelo para que reflitam pela escrita, que também é mais sacrificante para eles, ganha o agravante de pedirem que parem e pensem na velhice.

Metrô e ônibus lotados, competição sem sentido, rotina, um chefe inseguro e deprimido, uma carreira que não existe mais como diziam que existia — e o Enem pedindo que eles reflitam sobre a velhice, o Estatuto do Idoso, a solidão, o etarismo, o abandono, a aposentadoria e a incapacidade do Estado, que já não cuida das crianças, de cuidar dos seus velhos.

O tema do Enem sugere que os jovens precisam compreender que a correção do que está errado e não funciona será tarefa deles mais adiante.

As gerações que falharam até agora se sentem no direito de dizer aos jovens que eles têm a missão de pensar no futuro como sendo um mundo de gente cada vez mais velha. E talvez muito pior do que o mundo que temos hoje.

Adultos maduros desse mundo cada vez mais discriminador, racista, armamentista e fascista esperam que os jovens digam pelo menos que, assim como está, não pode ficar.

Essa redação que vocês leram até aqui é de autoria de um idoso que fez, quando jovem, quase tudo o que a geração Z pretende fazer ou não fazer, por ação ou por contemplação e inércia, porque também achava que o futuro é deprimente.

Mas vocês já sabem que os mais velhos estão — e estarão sempre — cobrando dos mais novos o que eles não conseguem melhorar, desentortar ou resolver. O mundo que os espera foi sendo construído pelos adultos de hoje.

A velhice será sempre um tema a ser largado no colo dos outros, inclusive na redação do Enem.

Moisés Mendes tem 72 anos e é jornalista desde os 17 anos.

Paulo Moreira Leite

Paulo Moreira Leite

Eu e a máquina

E foi assim que cheguei aonde estou, mais alegre e confortável do que imaginava, pronto para mais uma

Convocado a prestar um vestibular fora de época e de meus 72 anos, fiquei empacado diante do lap-top por horas a fio.

Depois de muito disfarçar para mim mesmo, decidi encarar o teclado e a tela deste lap-top cuja idade perdeu-se no tempo.

Como é fácil imaginar, sua companhia foi de extrema utilidade para meu sustento, e até para alguma prosa política junto a amigos e até companheiros e companheiras – sim, companheiros e companheiras – inseparáveis ao longo de uma existência alegre e tumultuada nesses trópicos tropicais menos tristes do que imaginavam observadores jovens demais para empreitadas muito ambiciosas junto a nosso ocaso colonial.

Através dessa máquina, aprendi a viajar pelo mundo, conversar com estranhos, estranhas e distantes, formulando frases e sentenças que, reconheço agora, protegiam o que me resta de lucidez em meio a tanta loucura e miséria.

E foi assim que cheguei aonde estou, mais alegre e confortável do que imaginava, pronto para mais uma. Sempre.

Alguma dúvida?

Paulo Moreira Leite tem 72 anos e atua desde os 16 anos.

Renato Aroeira

Renato Aroeira

Velhice
Envelhecer é muito bom, mas numa sociedade onde a imensa maioria é destituída de quase tudo, envelhecer com calma, saúde e paz acaba sendo mais um privilégio

Fui instado a fazer o que 3,5 milhões de brasileiros (quase todos muito jovens) fizeram há poucos dias, no Enem: escrever um texto sobre a velhice. “Perspectivas acerca do envelhecimento na sociedade brasileira” era o título da prova. Tudo bem, tenho até o lugar de fala, sou idoso há 11 anos (tenho 71).

Antes de mais nada, envelhecer é bom. A experiência, as habilidades adquiridas, as lembranças e histórias, filhos, netos… Mas, de um ponto de vista mais confessional, não é sempre fácil. O fôlego é curto e o cansaço, longo, pois o tempo e os anos de fumante cobram seu preço. As reações são mais lentas, o raciocínio idem, por causa da perda de elasticidade, de massa muscular, de neurônios. Falta-nos paciência. O tempo leva alguns amigos; a distância e as dificuldades de locomoção afastam outros. A visão, a digestão, a circulação, a função hepática, as articulações… tudo diminui ou piora, exceto a dependência, que aumenta. A estatística, nossa amiga na juventude, passa a ser nossa inimiga!

Não estou reclamando, longe disso. Envelhecer é mesmo bom, e eu sou grato. Sou otimista, levo no humor, sigo o Zeca Pagodinho e deixo a vida me levar. Apenas constato que há problemas a resolver, cuidados a tomar… e alguns desses cuidados podem ser caros ou difíceis, mesmo inacessíveis. Aqui chegamos ao assunto… as tais perspectivas. São vários aspectos (’aspecto’ vem do mesmo verbo grego que ‘perspectivas’) diferentes, desde o aumento da expectativa de vida e o investimento necessário para manter as aposentadorias por mais tempo, até o apoio social que o Estado precisa dar a seus cidadãos, especialmente os idosos. Transporte, cuidados cotidianos, saúde, afeto, alimentação, lazer… Como em um meme, o que nós, velhos, fazemos? Onde vivemos? O que comemos? O Estado liberal — vá lá, o Mercado — abomina essas perguntas e essa discussão por motivos óbvios. Pra que gastar dinheiro com pessoas que, além de descartáveis, não produzem mais, na opinião dele, o Mercado? Parte do etarismo que grassa na sociedade vem dessa irritação do topo da pirâmide, desmontando e demonizando o próprio instituto da aposentadoria e, por consequência, seus beneficiários.

O chargista Renato Aroeira
O chargista Renato Aroeira(Photo: Renato Aroeira)

Sim, envelhecer é muito bom, mas numa sociedade onde a imensa maioria é destituída de quase tudo, envelhecer com calma, saúde e paz acaba sendo mais um privilégio, mais um “lançamento exclusivo”. E, para o resto da sociedade, é um problema sério. Queremos carinho, queremos respeito a nós e à nossa experiência, mas queremos mais Estado. Queremos mais políticas públicas voltadas para essas pessoas que chegaram “meio que” heroicamente até aqui. É desumano e, francamente, é muita burrice não cuidar direitinho de um ativo econômico/social/afetivo tão grande… Isso mesmo, refiro-me a nós, a velhitude do Brasil!

Renato Aroeira tem 71 anos e desenha profissionalmente desde os 12 anos de idade.

faixa-autores

Aquiles Lins

No Enem, uma geração que não vai se aposentar reflete sobre o envelhecer

Tema do Enem 2025 propõe reflexão sobre o envelhecimento e desafia jovens a pensar o futuro em um país que envelhece sem garantir cuidados

O tema da redação do Enem 2025 — “Perspectivas acerca do envelhecimento na sociedade brasileira” — convidou milhões de jovens brasileiros a refletir sobre o que parece muito distante de sua própria realidade: a velhice. Em um país que envelhece rapidamente, mas ainda cultua a juventude e desvaloriza a experiência, o exame propôs um debate urgente sobre o futuro que todos compartilhamos.

Com 4,8 milhões de inscritos, o Enem manteve sua tradição de abordar questões sociais invisibilizadas, como o racismo, o capacitismo e o etarismo — este último, o preconceito contra a idade. A escolha do tema mostra sensibilidade e atualidade. Falar de envelhecimento é falar de respeito, empatia e planejamento coletivo.

E, nesse planejamento, também se abrigam contradições profundas do nosso país e de como tratamos as vidas que envelhecem. Desde a Reforma da Previdência de 2019, aposentadoria se tornou um horizonte cada vez mais distante e incerto. As novas regras instituíram idade mínima de 65 anos para homens e 62 para mulheres, com ao menos 15 anos de contribuição. Para receber o benefício integral, o trabalhador precisará contribuir por 40 anos — um cenário que, para boa parte dos brasileiros que enfrentam o desemprego e a informalidade, é simplesmente inalcançável.

Os jovens estudantes brasileiros foram instados a discorrer sobre perspectivas que também envolvem a desigualdade social. O Brasil é um país que envelhece antes de alcançar um padrão médio de condições de vida para sua população e que ainda não garante dignidade aos seus idosos — nem previdenciária, nem socialmente. Mas há sinais de mudança. O governo federal vem implementando a chamada Economia do Cuidado, que reconhece o valor econômico e social das atividades voltadas à manutenção da vida e do bem-estar — cuidar de crianças, idosos, pessoas com deficiência e doentes.

Por meio da Política Nacional de Cuidados e do Plano Nacional de Cuidados, o Ministério do Desenvolvimento Social (MDS) busca institucionalizar o direito ao cuidado e combater as desigualdades de gênero, já que o trabalho de cuidar — remunerado ou não — recai majoritariamente sobre as mulheres. O programa Brasil que Cuida, por exemplo, apoia famílias com idosos dependentes e valoriza trabalhadores e trabalhadoras do cuidado, reconhecendo que uma sociedade mais justa é aquela que compartilha responsabilidades e valoriza quem sustenta a vida cotidiana.

Essas políticas representam um passo importante para o país que o Brasil está se tornando: um país que envelhece rápido e que, se quiser ser verdadeiramente democrático, precisa aprender a cuidar. Cuidar dos outros e de si mesmo. Cuidar dos idosos de hoje e preparar o terreno para os de amanhã.

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Estudantes que fizeram o Enem(Photo: Agência Brasil)Agência Brasil

Ao propor esse tema, o Enem convidou uma geração a refletir sobre o próprio futuro — uma geração que talvez não se aposente, mas que precisará lutar para envelhecer com dignidade. A redação deste ano é um espelho do Brasil que somos e um aviso sobre o Brasil que poderemos ser.

A questão é: que país queremos construir, agora que estamos envelhecendo como nação? Seremos uma sociedade que descarta os mais velhos, como faz com tudo o que considera obsoleto, ou uma sociedade que reconhece neles a memória viva da nossa história? Envelhecer é inevitável; envelhecer com respeito deve ser um consenso da nação. E é preciso começar a escolhê-lo desde já.

Aquiles Lins tem 44 anos e pretende se aposentar em algum momento, mas não tem esta segurança.

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