A CA tem se comportado como uma comissão de governo e não de Estado.
A Comissão de Anistia tem se comportado como uma comissão de governo e não de Estado.
Está seguindo orientações e limites enviados, offline, de membros do governo, tudo discretamente, para não gerar ruídos.
Anistiandos que esperaram mais de 20 anos estão recebendo um “cala boca”, sob o argumento de que é preferível isso a nada.
O Estado atrasa por 20, 25 anos e depois não quer arcar com o custo desse atraso.
Pense em um engenheiro que foi prejudicado durante a ditadura, esperou mais de duas décadas para ser ressarcido, e no final é obrigado a aceitar um pagamento de R$2.000 de indenização mensal continuada, mesmo quando a lei diz que é para pegar o paradigma ou a média de salário de uma profissão.
Certamente um engenheiro com mais de três décadas de experiência recebe acima de 10 mil mensais, no mínimo.
Limitam os atrasados e retroativos também, que não podem chegar a R$1.000.000, atrasados esses que são inteiramente culpa do Estado.
Os membros da Comissão dizem que “o caminho é a justiça”.
Sim, sabemos que o caminho é a justiça, e vale ressaltar que a justiça federal tem feito todos os processos de deferimentos de maneira rápida. Ocorre que essa não deveria ser a resposta! Essa resposta implica no reconhecimento de que está sendo burlada a lei.
“A Comissão de Anistia finalizou 97% das 80.357 solicitações recebidas de vítimas (ou familiares delas) de tortura, assassinato, exílio, estupro, demissão, ocorridos durante a ditadura. Os pedidos foram feitos entre 2001 e 2024. Segundo o Ministério dos Direitos Humanos, até 31 de dezembro de 2024, 39.984 pedidos foram deferidos e outros 31.669 foram indeferidos – neste caso, por ausência de documentação, falta de comprovação de motivação política no ato de afastamento ou demissão, período diverso do previsto na legislação, entre outras razões.” (fonte: O Globo de 13/04/2025)
A produtividade alardeada de 97% de processos analisados vem do fato de que a Comissão, infelizmente, está operando, sob conselho do governo, em uma esteira de desmonte.
A padronização forçada de valores configura uma afronta direta ao artigo 8º do ADCT e à Lei 10.559/2002, que garantem a reparação integral baseada na evolução de carreira do anistiado, tornando assim essa postura e a pressa inconstitucionais.
A alta produtividade dos processos analisados, portanto, não passa do resultado final de uma esteira de concessões abaixo da lei.
Alerto aqui, como já tinha feito no meu artigo chamado “Pragmatismo ao arrepio da lei (25/04/25), que a Comissão de Anistia foi deliberadamente asfixiada: seu quadro, que já teve mais de cem servidores, foi reduzido a “vinte e pouquinhos”, na frase da própria presidenta em live no canal Pororoca.
Essa estrangulação orçamentária é o combustível para a padronização ilegal dos valores.
A atual Comissão é subalterna ao governo que não gosta de remoer o passado e opta pelo apagamento. Está aceitando chantagem das mais traiçoeiras.
A subordinação da Comissão ao atual governo a transforma em mera gestora de um orçamento insuficiente, enquanto somos obrigados a ver valores milionários em emendas parlamentares com transparência zero, e jetons de mais de R$ 30 mil reais mensais para conselheiros de estatais.
A CA ainda mantém em sua composição um representante do Ministério da Defesa, que nada tem a ver, a não ser que abrisse os arquivos.
A Comissão deveria ser eminentemente de quadros da lei, do direito e de pesquisa.
E nós, o que fazemos? Sei que estamos bem idosos, cuidando de nossas biografias, porém, creio que para combater os desvirtuamentos da Comissão, ainda temos fôlego.
Outrossim, o Ministério de Gestão e Orçamento demora a colocar os novos anistiados no sistema e tem retardado seis ou mais meses para entrar no sistema de pagamento, e quando entra não há correção monetária e nem dos meses atrasados.
A opção por esbulhar os anistiados não é por falta de dinheiro, mas por uma hierarquia de prioridades que privilegia a política do apagamento em detrimento do dever de memória e reparação.
Parece que o governo tem vergonha daqueles que doaram a sua juventude para enfrentar a ditadura militar. Ou será algum acordo com as forças armadas, nossas algozes no passado?
Se a comissão de anistia fosse uma comissão de Estado, não receberia e nem atuaria sobre parâmetros do governo, pois seria seguidora somente das leis, como o artigo 8º das exposições transitórias da Constituição e a Lei do Anistiado Político.
Francisco Celso Calmon
Membro organizador da Rede Brasil – Memória, Verdade e Justiça