A contribuição da Engenharia para a Saúde Pública
Embora não figurem entre as principais causas das mortes verificadas nos seguimentos de alta renda (os quais, segundo a OMS são as doenças arteriais coronarianas, os derrames cerebrais, as doenças pulmonares crônicas e as infecções do trato respiratório, os cânceres, as diabetes Mellitus, as cardiopatias hipertensivas, as demências e os acidentes rodoviários), as chamadas ‘doenças da pobreza’ dão causa a muitos óbitos, especialmente entre as pessoas mais pobres. São as diarreias, a hepatite A, a esquistossomose, a leptospirose, a febre tifoide, a dengue e a cólera.
Muitos não percebem, mas estas [as doenças da pobreza] são doenças transmitidas pela água contaminada ou por insetos e ratos em ambientes sem tratamento de esgoto e da água, onde proliferam as bactérias, ácaros, parasitas, insetos e ratos, decorrentes, portanto, da falta de saneamento básico.
Infelizmente, a maioria das cidades brasileiras, especialmente nas regiões norte e nordeste, não contam com sistemas eficazes de saneamento, levando a que grande parte da população não tenha acesso à água tratada e, direta ou indiretamente, esteja em contato com lixo e esgoto, em regime de convivência involuntária com os vetores daquelas doenças. Estudo do Instituto Trata Brasil aponta que apenas 3 das 100 cidades mais populosas do País alcançaram a universalização do serviço de saneamento. Neste universo de imundice, vale frisar o destacado papel cumprido pelos rios e canais poluídos e poluidores – entre os quais se destacam o Tietê (SP), Iguaçu (PR), Ipojuca e Capibaribe(PE), Sinos e Gravataí (RS), o canal Derby-Tacaruna, no Recife, e tantos outros pelo Brasil -, os quais, no fundo, funcionam como maternidade, estufa e criatório de todos os tipos de ‘doenças da pobreza’.
Fica claro, então, que o principal remédio para a maioria das doenças que acometem as pessoas mais pobres da sociedade está na da aplicação da Engenharia. Com efeito, a superação das ‘doenças da pobreza’ está na construção de sistemas de saneamento básico – purificação da água, coleta e destinação do lixo e esgotos, despoluição dos rios, canais, lagos e lagoas.
Apesar de as autoridades saberem disso, a Engenharia não vem sendo considerada como elemento estratégico do sistema de saúde pública do Brasil, o qual, normalmente conduzido por médicos, concentra a atenção em outras áreas. Houve, naturalmente, episódios nos quais engenheiros estiveram à frente de postos chaves do sistema de saúde. No (des)governo do usurpador Michel Temer, o posto máximo do sistema de saúde foi ocupado pelo engenheiro Ricardo Barros – uma época de triste memória, pois, uma vez na cadeira de ministro, ao invés de impulsionar o saneamento básico no País, ele tentou favorecer as empresas de seguro-saúde da própria família, chegando a propor uma espécie de ‘plano popular de saúde’ para substituir o SUS.
De qualquer forma, deixando de lado (e jamais esquecendo) o triste exemplo deixado por Ricardo Barros, a Engenharia brasileira precisa erguer a voz de modo a dar ao Saneamento o protagonismo que lhe deve caber no sistema de saúde pública. Não é justo que pessoas sejam destinadas a contrair doenças da pobreza por viver em áreas desprovidas de Saneamento básico e ficarem expostas a perigos capazes de levar-lhes à morte.
Nunca é demais lembrar que, além de serem decisivos para a erradicação das doenças da pobreza, como exigem vultosos investimentos, a construção de sistemas de saneamento pode (assim como aconteceu na Inglaterra com a despoluição do Rio Tâmisa) funcionar como vigoroso impulso a processo de crescimento econômico.
De qualquer forma, o País precisa saber usar a Engenharia e fazer do Saneamento básico o remédio para a superação das doenças da pobreza. A sociedade brasileira merece e cabe aos engenheiros e aos médicos fornecerem os elementos necessários para orientar o processo decisório do governo de modo que as doenças da pobreza deixem de matar os pobres do País.
Alexandre Santos – ex-presidente do Clube de Engenharia de Pernambuco, coordenador geral da série ‘Engenharia & Desenvolvimento’ e membro da Academia Pernambucana de Engenharia