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BÁRBAROS UNIDOS DA AMÉRICA DO NORTE AMEAÇAM A AMÉRICA LATINA

A América Latina está sob a alça de mira do imperialismo.

Desde o ano de 1999, com o primeiro governo de Hugo Chávez, foi rompida a continuidade histórica de governos venezuelanos alinhados com os interesses dos Estados Unidos, buscando recuperar a tradição libertadora da Pátria Grande com a luta anticolonial de Simon Bolívar, dando início ao processo da revolução popular bolivariana. Desde então, a Venezuela tem sido fustigada com ameaças de golpe e intervenção estadunidense com presença da CIA, em uma profunda confrontação entre as forças sociais e políticas bolivarianas e as elites oligárquicas alinhadas com os interesses do capitalismo norte-americano.

Em abril de 2002 o governo Chávez sofreu um golpe e chegou a ser derrubado pela aliança das classes dominantes oligárquicas com setores das classes médias, apoiados e financiados pelo imperialismo. O Presidente Hugo Chávez foi preso e levado para local incerto, o Palácio de Miraflores foi ocupado pelos golpistas, políticos de “centro” e de extrema-direita, o grande capital, militares golpistas, incluindo uma personagem que hoje está na ordem do dia e é a queridinha do Ocidente Coletivo Ampliado (EUA, Europa Occidental) e das grandes redes de comunicação, María Corina Machado. Durante quase 48 horas o presidente ficou desaparecido e o noticiário da mídia burguesa celebrava a “vitória da democracia”, transmitindo imagens e entrevistas diretamente do Palácio de Miraflores anunciando o programa de “pacificação e democratização” proposto pelos golpistas.

Para entender melhor o que foi o golpe frustrado de 2002, vale a pena assistir o filme-documentário irlandês “A Revolução não será televisionada”, dos diretores Kim Bartley e Donnacha O´Briain, de 2003. É possível assistir o filme no Youtube, com legendas em português. O documentário mostra com riqueza de detalhes os eventos precedentes e a tentativa do golpe de Estado de 2002. (https://www.youtube.com/watch?v=ADS3vxux010&t=1689s )

Desde o seu início, como era de se esperar, a Revolução Bolivariana está sob ataque do imperialismo. Assistimos a inúmeros episódios, desde a formação de grupos paramilitares terroristas, organizadas pela direita criando as guarimbas, protestos violentos, inclusive levando a morte de muitas pessoas, com um jeitinho de “revolução colorida” e outros levantes e manifestações financiadas pela CIA e a burguesia local. As tais guarimbas,além de financiadas pela direita e as classes dominantes venezuelanas, contaram com o apoio irrestrito da “paladina” da Paz, María Corina Machado. Sim, não leram errado, a mesma que pede para o grande democrata Netanyahu para atacar a Venezuela e que dedica o seu prêmio ao pacifista Trump.

Nestes 26 anos muitos personagens golpistas estiveram à frente das conspirações contra o governo da Venezuela e a Revolução Bolivariana. Desde Leopoldo López, passando por Henrique Capriles, Edmundo González, o fantástico presidente de conto de fadas Juan Guaidó, María Corina Machado. A lista de golpistas pseudodemocratas é enorme e conta com todo apoio e financiamento do Ocidente (EUA e Europa) e das elites colonizadas de países da América Latina, como a brasileira.

Na época em que Guaidó se autoproclamou presidente da Venezuela, não apenas teve o reconhecimento dos EUA, como dos países da União Europeia. Em 2019, o governo norte-americano bloqueou todas as reservas e a justiça britânica chegou a confiscar o ouro da Venezuela, colocando-os à disposição do autoproclamado presidente.

É óbvio que o que move toda essa máquina de conspiração e guerra contra a Venezuela é o fato de as maiores reservas de petróleo do mundo estarem sob o controle da PDVSA (Petróleos de Venezuela), empresa estatal que não está nas mãos das petroleiras privadas do ocidente, Exxon, British Petroleum, Shell, Total etc.

Gostemos ou não, um governo soberano que não se curva aos interesses do imperialismo ocidental é um mau exemplo para todos os povos do mundo, em especial para os latino-americanos. Vai que essa gente latino-americana resolve dar ao basta nas ações do imperialismo e dizer que são donos do seu próprio destino, das suas riquezas e da sua soberania?

A Venezuela sofre uma quantidade enorme de sanções por parte das potências ocidentais, o que tem causado inúmeros problemas econômicos e sociais para o seu povo. Mesmo assim, após momentos mais críticos, nos últimos dez anos, houve uma recuperação significativa, uma diversificação da base do desenvolvimento, fazendo com que no momento em que eu estou escrevendo este artigo a Venezuela tenha a maior alta do PIB das Américas, com crescimento “ao estilo chinês”. A economia venezuelana apresentou um crescimento de 7,71% no primeiro semestre de 2025, no terceiro semestre o crescimento aumentou para 8,7%, impulsionado pela alta na atividade petrolífera e também pelo projeto de diversificação econômica. O Banco Central da Venezuela informou que, embora esses números indiquem a recuperação da economia do país, ainda persistem dificuldades para a população.

(https://oglobo.globo.com/economia/noticia/2025/10/17/venezuela-registra-crescimento-economico-de-quase-9percent-impulsionado-pelo-petroleo.ghtml )

Com a chegada de Trump ao poder, as ameaças aos países da América Latina atingiram a sua mais alta temperatura.

Em dez meses de governo, o ditador dos Estados Unidos … acho que devemos usar esse título, não? Por muito menos os EUA e o Ocidente apontam o seu dedinho autoritário para chamar os outros de ditadores etc e tal… ah, menos Israel, que é “a única democracia do Oriente Médio”. Piadas de mau gosto à parte, voltemos ao que interessa. Ia dizendo que em menos de dez meses do ditador Trump já ameaçou o México, o Panamá, o Canadá, a Groelândia, a Colômbia, o Brasil e, lógico, a Venezuela e Cuba.

Não podemos jamais esquecer as palavras do Secretário da Guerra dos EUA (Trump mudou o nome do Departamento de Defesa para Departamento de Guerra), Pete Hegseth, em entrevista à Fox News em abril de 2025, quando disse “vamos recuperar o nosso quintal”.

A atual escalada do governo Trump contra a Venezuela contou com a vergonhosa premiação da golpista fascista María Corina Machado com Nobel da Paz, buscando a formação de uma opinião pública favorável às ameaças e ataques e dando o sinal verde para a possibilidade de uma invasão militar. Sobre o assunto, escrevi o artigo “A baixeza moral do Ocidente: genocídio, nobel da paz e o elogio à barbárie”, publicado no dia 13 de outubro de 2025 no Canal Pororoca e, com pequenas alterações, no Brasil 247. (https://canalpororoca.com.br/a-baixeza-moral-do-ocidente-genocidio-nobel-da-paz-e-o-elogio-a-barbarie/ e https://www.brasil247.com/blog/a-baixeza-moral-do-ocidente-genocidio-nobel-da-paz-e-o-elogio-abarbarie ).

Nos últimos dias Trump anunciou publicamente que deu autorização para CIA intervir na Venezuela, derrubar o regime, depor e, se for possível, assassinar o Presidente Nicolás Maduro.

Desde o início de setembro, parte da frota naval dos EUA se deslocou para a costa da Venezuela, com a mobilização de 10.000 soldados, segundo fontes norte-americanas, e aviões bombardeiros B-52 estão realizando voos de reconhecimento a cerca de 300 km de Caracas (para se ter uma ideia, 300 km é mais ou menos a distância entre São José dos Campos e o Rio de Janeiro, menor que o trecho da Ponte Aérea Rio-São Paulo).

O Ocidente Coletivo tem jogado com o time entrosado, o Tribunal Penal Internacional recebendo diversos pedidos para a prisão do Presidente Nicolás Maduro, a comissão do Prêmio Nobel escolhendo uma notória terrorista e belicista – que na verdade  deveria estar cumprindo pena – para um prêmio que, em tese, deveria ser dedicado àquelas pessoas que se dicam à paz, a grande imprensa corporativa ocidental alinhada com os EUA para a derrubada de Maduro e a mudança de regime, a manutenção das sanções econômicas, o deslocamento da frota norte-americana, a retórica da guerra como ameaça.

Uma pergunta que eu sempre me fiz é seguinte: que diabos de ditadura é essa que existe na Venezuela, que sempre deixou completamente livre, leve e solta toda a imprensa privada golpista, atacando há décadas os governos bolivarianos e conspirando com golpistas internos e potências estrangeiras do imperialismo? Em 26 anos, já foram realizadas mais de 35 consultas eleitorais, entre eleições nacionais, eleições locais, plebiscitos e referendos revogatórios (sempre com a presença de observadores internacionais). Apenas para informação, já que não temos isso por aqui, o Referendo Revogatório – Recall Referendum – é um mecanismo da democracia participativa previsto na Constituição da Venezuela de 1999, promulgada pelo presidente Hugo Chávez, permitindo que a população avalie o desempenho do mandatário e, se for o caso, revogue o cargo eletivo popular (presidente da República, governadores, prefeitos e deputados), desde que pelo menos a metade do mandato já tenha sido cumprido. O objetivo é que o povo tenha o poder de revogar o cargo de quem não está cumprindo com os objetivos esperados. Isso sim seria uma verdadeira “ditabranda”, como diria a Folha de São Paulo.

Mas voltando às ameaças ianques à América Latina, nos últimos dias alguns pequenos barcos de pescadores foram torpedeados pela destemida frota de guerra dos EUA, matando cerca de 30 pessoas. Barcos venezuelanos, de Trinidad e Tobago e um barco colombiano. Sempre inventam um pretexto, né? Bom, o pretexto da vez é que os militares norte-americanos estão em guerra contra o narcotráfico e que os pescadores eram perigosos narcotraficantes. É óbvio que essa historinha não se sustenta e que se trata de uma vil propaganda para a opinião pública norte-americana e ocidental ir organizando um senso comum favorável à intervenção militar contra a Venezuela. Mas, mesmo se fossem traficantes de drogas, o afundamento destes barcos e o assassinato de pessoas seria uma execução extrajudicial, sem julgamento, coisa de facínora… epa, esqueci que estou falando do imperialismo dos Estados Unidos, então é coisa de bandido mesmo, de terroristas, de assassinos profissionais sob bandeira listrada e estrelada.

Embora a frota norte-americana não tenha competência jurisdicional para ser polícia dos mares, mesmo que os pescadores fossem narcotraficantes, o certo seria a abordagem dos barcos, a apreensão da mercadoria ilegal, a identificação e detenção dos envolvidos e a colocação imediata dos detidos sob a tutela da autoridade judicial competente.

Mas voltando ao que ocorre no Mar do Caribe e a pirataria terrorista estadunidense, o certo seria dar publicidade, mostrar o material ilegal apreendido, dar os nomes dos acusados, coloca-los à disposição da Justiça etc. Mas isso seria coisa de gente mais ou menos civilizada.

Antes que muitos digam que isso nada tem a ver com o Brasil, temos que alertar, fiquem ligados. Embora todos vejam as digitais bolsonaristas e de parte da burguesia brasileira em ligações perigosas com o crime organizado – é só ver os elos entre o PCC, lavagem de dinheiro, políticos do centrão, igrejas neopentecostais, governo do Estado de São Paulo e a Faria Lima -, o discurso da direita brasileira tenta dizer que o PT e o governo Lula é ligado ao PCC. E, há meses atrás, o próprio governo Trump já falava em combater o narcotráfico não apenas na Venezuela, mas em toda a América Latina, incluindo o Brasil. Afinal, não podemos esquecer, trata-se de “recuperar o nosso quintal”.

Os ataques à América Latina continuaram neste final de semana com a acusação de que o presidente colombiano Gustavo Petro seria o chefe do narcotráfico e que a Colômbia seria um narcoestado. O presidente Petro respondeu à altura dizendo: “Sr. Trump, eu não faço business, como o senhor. Eu sou socialista, acredito na ajuda e no bem comum, e nos bens comuns da humanidade – o maior de todos: a vida. Se eu não sou negociante, muito menos um narcotraficante; em meu coração não há cobiça. Um mafioso é um ser humano que condensa o melhor do capitalismo: a ganância – e eu sou o contrário, um amante da vida.”

O que está em jogo é o petróleo, a Amazônia, as terras raras, o controle geopolítico e a manutenção das veias abertas da região da América Latina, como território de pilhagem neocolonial e a sua submissão ao império do Norte.

A decadência em todos os níveis dos Estados Unidos e do Ocidente, como a decadência de todos impérios na história da humanidade, os torna muito mais agressivos e ameaçadores da paz.

Não podemos esquecer que em 2026 teremos eleições na Colômbia e no Brasil e, para o Ocidente Coletivo, Estados Unidos à frente, é fundamental que Petro e Lula não reproduzam governos independentes e soberanos, com programas populares e que sejam eleitos candidatos alinhados ao imperialismo e ao capitalismo neoliberal.

Em tempos sombrios de decadência da grande potência imperialista, a guerra passou a ser um imperativo. A economia capitalista dos EUA é absolutamente dependente do complexo industrial militar e da sua tecnologia de guerra. Muitos dizem que a política industrial norte-americana é a economia da guerra. É o fim dos mecanismos do soft power dos Estados Unidos e do Ocidente e a prioridade do uso dos instrumentos do hard power (meios militares e sanções econômicas).

E, na América Latina, o pretexto para a intervenção militar e golpes de Estado é a guerra às drogas como política de contrainsurgência e de domínio neocolonial.

Como estamos sob ataque imperialista, é essencial que o presidente Lula se posicione como uma liderança central da construção da integração e unidade latino-americana.

Vila Nova de Gaia, 20 de outubro de 2025.

João Ricardo Dornelles
(Professor do Programa de Pós-Graduação em Direito da PUC-Rio; Coordenador do Núcleo de Direitos Humanos da PUC-Rio; membro do Instituto Joaquín Herrera Flores/América Latina; membro do Coletivo Fernando Santa Cruz; Analista Político do Canal Iaras e Pagus/Youtube).

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João Ricardo Dornelles

Professor do Programa de Pós-Graduação em Direito da PUC-Rio; Coordenador do Núcleo de Direitos Humanos da PUC-Rio; membro do Instituto Joaquín Herrera Flores/América Latina; membro do Coletivo Fernando Santa Cruz; Analista Político do Canal Iaras e Pagus/Youtube.

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