Campos Neto, bandido do colarinho engomado até agora ileso
(Fonte: Luís Nassif – GGN. O Canal Pororoca reconhece a autoria integral do autor sobre o texto abaixo.)
Como o ex-presidente do Banco Central escapou de acusações envolvendo lavagem de dinheiro.
1. O ponto de partida: a Operação Colossus
Em setembro de 2022, a Polícia Federal deflagrou a Operação Colossus. O alvo? Um esquema gigantesco de evasão de divisas e lavagem de dinheiro que movimentou R$ 61 bilhões em quatro anos.
O que a PF descobriu foi grave: criminosos usavam empresas de fachada para enviar dinheiro ao exterior, fingindo que compravam criptomoedas. Na prática, lavavam dinheiro para organizações criminosas — incluindo o grupo terrorista Hezbollah e o PCC.
Cinco bancos apareceram na mira da investigação: Master, Genial, Travelex, Haitong e Santander. Segundo a PF, essas instituições não tomaram os cuidados mínimos para verificar se as operações eram legais. Em outras palavras: ou foram negligentes, ou fizeram vista grossa de propósito.
2. O nome que poucos mencionaram: Roberto Campos Neto
Aqui está o detalhe que passou despercebido na cobertura inicial: durante o período das irregularidades no Santander, Roberto Campos Neto era executivo do banco.
E tem mais. Campos Neto depois assumiu a presidência do Banco Central. E foi justamente durante sua gestão que o BC promoveu uma mudança nas regras que, na prática, livrou os bancos de punição.
A nova legislação, aprovada em dezembro de 2022, transferiu a responsabilidade pela classificação das operações de câmbio dos bancos para os próprios clientes. Com essa mudança, as condutas investigadas deixaram de ser consideradas crime. Foi uma anistia disfarçada de modernização regulatória.
3. As irregularidades documentadas
O processo administrativo contra Campos Neto detalhou uma série de falhas graves durante sua atuação no Santander:
Problemas na verificação de clientes (US$ 255 milhões entre 2015-2017):
- Empresas operando sem documentação básica
- Faturamento não comprovado ou desatualizado
- Firmas sem capacidade financeira real
- Ausência de visitas técnicas obrigatórias
Problemas nas operações de câmbio (US$ 83 milhões entre 2014-2018):
- Contratos sem comprovação adequada
- Operações com empresas que já tinham sido descredenciadas
- Incompatibilidades graves nos registros oficiais
No total: mais de US$ 300 milhões em operações irregulares, com a suspeita de que parte desse dinheiro foi parar nas mãos do Hezbollah e do PCC.
4. O acordo que encerrou tudo
O que aconteceu com Campos Neto? Ele não apresentou defesa.
Em junho de 2025, firmou um Termo de Compromisso com o Banco Central — a mesma instituição que ele havia comandado. Em julho de 2025, o processo foi arquivado por unanimidade, sem que ele precisasse admitir qualquer culpa.
Pela lei brasileira, esse tipo de acordo extingue a punibilidade sem implicar confissão. Na prática, Campos Neto saiu ileso.
O mais revelador: esse acordo quase não apareceu na grande mídia. A notícia circulou apenas em veículos alternativos.
5. Como funcionava o esquema
Para entender a gravidade, é preciso conhecer o mecanismo da fraude:
O truque do IOF:
- Os criminosos declaravam as remessas como “aumento de capital social” (código 67407), pagando apenas 0,38% de imposto
- O correto seria declarar como compra de mercadorias ou criptoativos (código 67902), com alíquota de 1,1%
- Resultado: sonegação em escala industrial
O papel dos bancos:
- A PF concluiu que as instituições financeiras tinham “cegueira deliberada”
- Empresas sem atividade real conseguiam movimentar milhões sem questionamento
- Os controles internos falharam — ou foram ignorados de propósito
6. Conclusão: o que esse caso revela
A história de Campos Neto e o Santander não é apenas sobre um executivo que escapou de punição. É sobre como funciona o sistema financeiro brasileiro.
Os fatos, resumidos:
Um executivo de banco trabalha em uma instituição que processa centenas de milhões de dólares em operações irregulares, com suspeita de lavagem de dinheiro para organizações criminosas. Esse mesmo executivo depois assume o comando do órgão que regula o setor. Sob sua gestão, as regras mudam de forma a beneficiar os bancos investigados. Quando ele próprio é acusado, fecha um acordo com a instituição que comandou e sai sem qualquer punição.
O que isso significa:
Não se trata de julgar se Campos Neto cometeu crimes — isso caberia à Justiça. O problema é outro: o sistema permitiu que uma pessoa com evidente conflito de interesses comandasse o órgão regulador, alterasse regras em benefício do setor de onde veio, e depois se beneficiasse dessas mesmas mudanças.
Enquanto isso, a grande mídia tratou o assunto com silêncio quase absoluto. O único desdobramento público foi uma ação judicial movida por Campos Neto contra quem denunciou o caso.
Isso não é apenas uma falha individual. É uma falha institucional que expõe a fragilidade dos mecanismos de controle sobre o sistema financeiro no Brasil. E enquanto essas brechas existirem, casos como esse continuarão acontecendo — protegidos pelo silêncio e pela complexidade técnica que afasta o escrutínio público.
Disso tudo resultou apenas uma interpelação judicial de Campos Neto a mim, que será devidamente respondida. Mas, a cada dia que passa, ficam mais nítidas as consequências das flexibilizações irresponsáveis que Campos Neto conduziu no mercado de capitais brasileiro.
