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Carta aberta a Hugo Motta: repúdio aos acontecimentos no Plenário nesta terça, 09 de dezembro

Excelentíssimo Senhor Presidente da Câmara dos Deputados,
Deputado Hugo Motta,

A Associação Brasileira de Juristas pela Democracia – ABJD, entidade composta por juristas comprometidas e comprometidos com a defesa intransigente da democracia, dos direitos humanos, com a luta por justiça social, e com a ordem constitucional de 1988, vem respeitosamente, por meio desta carta aberta, manifestar veemente repúdio aos acontecimentos verificados no Plenário da Câmara dos Deputados em 9 de dezembro de 2025, quando o deputado Glauber Braga (PSOL-RJ) foi retirado à força da Mesa Diretora por ordem da Presidência da Casa, com atuação violenta da Polícia Legislativa, resultando em agressões físicas a parlamentares, como Dorinaldo Malafaia (PDT-AP), Rogério Correia (PT-MG), Sâmia BOMFIM (PSOL-SP), Célia Xakriabá (PSOL-MG) e em grave cerceamento à imprensa e ao direito à informação.
Conforme amplamente noticiado, o deputado Glauber Braga, em ato político de protesto perante a tentativa de encaminhar sua cassação e a pauta do chamado “PL da dosimetria”, ocupou a cadeira da Presidência da Câmara. Em reação, Vossa Excelência determinou a intervenção da Polícia Legislativa, que empregou força física desproporcional, com imagens de “mata-leão”, empurrões e arrastos, levando o parlamentar a se submeter a exame de corpo de delito. Da mesma forma, outras deputadas e deputados também relataram agressões decorrentes da ação policial no interior do Plenário.
Ainda mais grave, durante o episódio, a transmissão da TV Câmara foi interrompida e jornalistas foram expulsos ou impedidos de acessar o Plenário, em relatos que dão conta de empurrões, violência física e obstrução da cobertura jornalística dos fatos, num cenário que bem caracteriza tentativa de ocultar da sociedade o exercício de violência estatal em plena sede do Poder Legislativo.
Tal conduta contrasta frontalmente com o tratamento conferido, em momento recente, a episódios em que outros parlamentares ligados ao bolsonarismo ocuparam a Mesa Diretora e inviabilizaram o funcionamento da Casa por longas horas, em protesto pela chamada “anistia” e em reação à prisão domiciliar do ex-presidente Jair Bolsonaro, sem que, então, se registrasse interrupção de transmissão, expulsão de jornalistas ou emprego semelhante de força pela Polícia Legislativa.
A democracia não resiste a este tipo de “dois pesos e duas medidas”.
A Constituição da República assegura aos parlamentares imunidades e prerrogativas destinadas a garantir a independência do Poder Legislativo e a livre atuação dos representantes eleitos. A utilização de força física contra deputado em pleno exercício de mandato, no interior do Plenário, representa, em si, um gravíssimo precedente institucional, que desborda dos limites regimentais e flerta com a violação de tais prerrogativas.
Não se ignora que o Regimento Interno confere à Presidência da Casa poderes de direção dos trabalhos e de manutenção da ordem. Entretanto, em um Estado Democrático de Direito, a força policial é sempre a “ultima ratio” – e jamais pode substituir o debate político, o manejo de instrumentos regimentais legítimos ou o diálogo institucional com a oposição.
Ao determinar – ou admitir – a interrupção da transmissão da TV Câmara e a retirada de jornalistas no exato momento em que a força estatal atuava sobre parlamentares, a Presidência da Câmara incorreu em grave atentado aos princípios constitucionais da publicidade dos atos estatais, da liberdade de expressão e de imprensa e do direito da sociedade de ser informada sobre aquilo que ocorre na Casa do Povo.
Em um país que viveu um longo período de ditadura, com censura oficial, listas de perseguição política e supressão da crítica pública, qualquer gesto de “apagão informacional” vindo de um Poder da República acende sinais de alerta. A tentativa de retirar câmeras e repórteres do local em que a força policial age contra parlamentares e contra a própria imprensa tem forte conotação de censura e ocultação da verdade, incompatível com a Constituição de 1988 e com a história recente de lutas pela redemocratização do Brasil.
A democracia se protege justamente garantindo o direito de crítica, protesto e oposição, sobretudo dentro do Parlamento. Quando ocupações de Mesa ou de Plenário por um campo político recebem tratamento leniente e até complacente, enquanto atos de protesto da oposição são reprimidos com violência física, a mensagem transmitida à sociedade é de perseguição política e de enfraquecimento das garantias do jogo democrático.
Diante do exposto, a ABJD, no exercício de sua missão estatutária de defesa da democracia e do Estado de Direito, vem formular, respeitosamente porém com firmeza, as seguintes exigências públicas à Presidência da Câmara dos Deputados:

  1. Abertura imediata de procedimento independente e transparente para apurar a atuação da Polícia Legislativa no episódio de 9 de dezembro de 2025, com identificação de responsáveis pelas agressões a parlamentares e jornalistas, assegurando-se a devida responsabilização administrativa, civil e penal, nos termos da Constituição e da Lei de Abuso de Autoridade.
  2. Compromisso público de que jamais serão novamente interrompidas as transmissões da TV Câmara, nem impedido o trabalho da imprensa, especialmente em momentos de maior tensão política, reafirmando-se o caráter público, plural e transparente da atividade parlamentar.
  3. Compromisso com tratamento isonômico de todas as bancadas e campos políticos, evitando a utilização diferenciada de instrumentos regimentais e policiais conforme a coloração ideológica dos parlamentares envolvidos.
    A ABJD reafirma que não há defesa séria das “prerrogativas” quando se admite a violência contra parlamentares de oposição; não há defesa real da “democracia” quando se corta a imagem e se expulsa a imprensa do Plenário; não há combate consistente à “intolerância” quando se pratica, seletivamente, a intolerância institucional.
    Em nome da tradição constitucional inaugurada em 1988, e honrando a memória das lutas contra o autoritarismo no Brasil, conclamamos Vossa Excelência a rever a postura adotada, assegurar a plena apuração dos fatos e restabelecer, em ato e não apenas em discurso, o compromisso da Câmara dos Deputados com: a defesa das prerrogativas parlamentares, a proteção da liberdade de imprensa e do direito à informação, a rejeição inequívoca de qualquer forma de violência física como instrumento de gestão do dissenso político.

Brasília, 9 de dezembro de 2025.
Associação Brasileira de Juristas pela Democracia – ABJD

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