Identitarismo não é critério
O critério identitarista não é o melhor para a seleção de quadros capazes para vestir a toga, sob o manto da Constituição voltada para o bem-estar de todos.
Empoderar as mulheres trabalhadoras, os negros e negras da classe operária, é o eixo que distingue o identitarismo da luta de classes.
Por mais que queiram nublar, a realidade se divide entre os que dominam e os dominados, entre os que defendem o capitalismo e os que lutam pelo socialismo, entre os que labutam para construir a democracia popular e os que conspiram contra o Estado de Direito.
Ter como critérios gênero, etnia ou religião, é um enviesamento reacionário e divisionista em relação ao critério de classe e político-ideológico.
Competência técnica, histórico que comprove a vida progressista em prol da democracia e dos menos afortunados do andar de baixo, são filtros para uma primeira seleção.
O passado dos dedos podres nos condena e é imperativo nesta conjuntura visitarmos a história para extrairmos a lição necessária para não cairmos no simplismo e amadorismo que caracterizaram a escolha de ministros do poder Judiciário.
Já tivemos a indicação de Joaquim Barbosa, negro, que foi algoz do processo chamado mensalão. Já tivemos a ministra Rosa Weber, mulher, que condenou o José Dirceu, porque a literatura assim permitia.
São as lições amargas de uma estratégia que, se fizermos uma escolha pensando primeiramente em identidade, mas, que na hora crucial irá defender os interesses das elites, será apenas mais uma indicação de Tróia.
Vamos abordar um pouco mais cada indicado por Lula e Dilma:
Ayres Britto (nomeado em 25 de junho de 2003): Nomeado por Lula, teve boas ações, como o reconhecimento da união homoafetiva como entidade familiar e o fim da Lei de Imprensa. Por outro lado, sua atuação na presidência durante o Mensalão é vista como uma grande decepção.
Cezar Peluso (nomeado em 25 de junho de 2003): Também nomeado por Lula, é um jurista conservador e formalista, cujo principal legado foi ter ajudado a construir o arcabouço do punitivismo que mais tarde seria usado contra o PT. Teve uma postura passiva no Mensalão, mas seu ato mais grave foi sua insistente defesa da prisão após condenação em segunda instância, tese que se tornou a principal ferramenta da Lava Jato para prender Lula.
Joaquim Barbosa (nomeado em 25 de junho de 2003): A indicação de Joaquim Barbosa por ser negro, foi a mais amadorística e irresponsável escolha. Lula pediu que indicassem um jurista negro, e o Frei Betto, que havia conhecido recente e superficialmente o JB, o indicou. Ao relatar o Mensalão, conduziu o processo com uma parcialidade inegável, com um punitivismo neurótico, como se através da sua severidade estivesse expiando a segregação e o preconceito étnico que, como todo negro, sofreu. Transformou o processo jurídico em um espetáculo midiático.
Eros Grau (nomeado em 30 de junho de 2004): Indicado por Lula e com um perfil acadêmico respeitado, é autor do voto, tecnicamente denso, que foi decisivo para abrir a Ação Penal 470, o marco zero do lawfare contra o partido dos trabalhadores. Grau falhou em enxergar (ou escolheu ignorar) a “farsa” que se montava politicamente. Foi ele também responsável pela validação da lei da anistia, alegando que houve um pacto político no sentido da anistia tanto dos perseguidos pelo Estado ditatorial, como dos agentes que praticaram as mais infames agressões aos direitos humanos.
Carmen Lúcia (nomeada em 21 de junho de 2006): Indicada por Lula, atualmente é a única mulher no STF. Alinhou-se ao punitivismo de direita no Mensalão e na Lava Jato, contribuindo para a perseguição ao PT e para o impeachment de Dilma. Sua firme atuação na presidência do TSE no julgamento de Jair Bolsonaro e seu voto decisivo pela inelegibilidade foram acertos cruciais e uma defesa necessária da democracia.
Dias Toffoli (nomeado em 23 de outubro de 2009): Indicado por Lula, fez parte do governo como advogado geral da União, contudo, cedeu à pressão no Mensalão para não ser acusado de parcialidade. Demonstrou fraqueza, inclusive colocando em sua assessoria um general, deslealdade e desumanidade a Lula ao não permitir que fosse ao enterro de seu irmão em 2019 e pela relação amigável e pública com Bolsonaro em plena pandemia.
Luiz Fux (nomeado em 3 de março de 2011): Indicado por Dilma Rousseff, é o mais claro agente da extrema-direita (In Fux We Trust), recomendado acreditando que “mataria no peito” para absolver o Zé Dirceu. Usou o Mensalão e a Lava Jato para construir uma imagem de “justiceiro” anticorrupção, mas seu rigor seletivo, implacável com a esquerda e leniente com a extrema-direita, como no caso do golpista Bolsonaro, revelou sua atuação como um cavalo de Troia antipetista na Corte.
Rosa Weber (nomeada em 12 de dezembro de 2011): Ministra indicada por Dilma Rousseff. A expectativa geral era de que sua trajetória traria um contraponto ao relator Joaquim Barbosa, mas Rosa, em um excessivo pedantismo, seguiu o voto do relator em pontos decisivos, sendo fundamental para a condenação do núcleo político do PT. Condenou José Dirceu alegando que a literatura jurídica permitia. Anos depois, concedeu um habeas corpus a ZD, e votou pela absolvição no crime de quadrilha.
Edson Fachin (nomeado em 16 de junho de 2015): Indicado por Dilma Rousseff. Seu formalismo serviu de aval jurídico para a Lava Jato, validando a perseguição que levou à prisão de Lula, evidenciando alinhamento a uma agenda de direita. A posterior anulação das condenações foi uma correção tardia.
Cristiano Zanin (nomeado em 3 de agosto de 2023): Primeira indicação do Lula em seu novo mandato. É um garantista penal que, fora dessa área, alinha-se a uma agenda conservadora, mas não podemos esquecer sua atuação louvável enquanto advogado de Lula na Lava Jato.
Flávio Dino (nomeado em 22 de fevereiro de 2024): A mais recente indicação de Lula, atuava como ministro da Justiça quando foi chamado para assumir o cargo. Entre a maré de traições, a presença de Dino no Supremo é, até então, um contraponto aos ministros indicados por Bolsonaro. O ministro, em seu pouco tempo de atuação, foi firme nas condenações aos golpistas do 8 de janeiro de 2023 e defendeu ardorosamente o Estado Democrático de Direito.
Não se pode adotar o mesmo critério utilizado por Bolsonaro em suas indicações, quando escolheu um nome terrivelmente evangélico.
A questão religiosa, uma vez instrumentalizada pela política, revela-se um conservadorismo atroz, hoje amplamente aliada ao bolsonarismo, um critério que não pode ser considerado agregador.
Ao fazer isso, estaríamos cultivando justamente aquilo que a história já separou, ou seja, o poder civil do poder religioso: o Estado é laico. Já é visível o prejuízo que a atuação desses pastores e dessas igrejas reacionárias e embusteiras têm causado ao Brasil, aproveitando-se da boa-fé e do desespero de parte do povo.
Outro aspecto a ser considerado é a questão da idade. Tomemos como exemplo o ministro Toffoli, que ingressou jovem, 41 anos, e permanecerá por muito tempo, até 2042. Trinta e três anos de permanência na Corte, sem renovação.
Imagina-se uma pessoa de 45 anos indicada para o STF: seriam 30 anos de atuação. Não se trata apenas disso, mas também do fato de que as gerações vêm amadurecendo mais devagar. Embora em alguns cargos isso funcione, para o Supremo deveria haver maior rigor, especialmente porque não há mandato e a saída compulsória se dá aos 75 anos.
A vitaliciedade dos ministros é algo que precisa ser debatida. Isso não existe no Legislativo nem no Executivo, apenas no Judiciário. Há razões para isso, mas não são tão fortes ao ponto de justificar a perpetuação. Há exemplos em outros países onde não é assim.
Existem quadros que já deram grandes contribuições, como no governo Dilma e em etapas de transição do governo anterior para o governo Lula, que estão no banco de reserva e poderiam ser convidados. Refiro-me especificamente a Eugênio Aragão.
Assim como na seara da economia está na regra 3 o economista Paulo Nogueira Batista Jr, bom nome apara o Banco Central.
Outro exemplo para a área da comunicação é o jornalista, editor do GGN, Luís Nassif.
Que a história sirva de lição para autocritica prática.
Francisco Celso Calmon