MEMÓRIAS DE UM ESTUDANTE SECUNDARISTA NA LUTA DO MOVIMENTO ESTUDANTIL CONTRA A DITADURA
MEMÓRIAS DE UM ESTUDANTE SECUNDARISTA NA LUTA DO MOVIMENTO ESTUDANTIL CONTRA A DITADURA
Em 30 de março de 2024 o jornal A VERDADE publicou o seguinte artigo do jornalista Gabriel Puga:
“A luta dos estudantes do Colégio Estadual André Maurois contra a Ditadura Militar
No combate à Ditadura Militar Fascista (1964-1985), o movimento estudantil cumpriu um papel fundamental. No Rio de Janeiro, junto do CAp UFRJ, o Colégio Pedro II e o CE Visconde de Cairu, o Colégio Estadual André Maurois foi um dos principais polos de resistência secundarista.
LUTAS DO POVO – O Colégio Estadual André Maurois foi fundado em 1965 e, já no primeiro ano de sua fundação, os alunos se organizaram para formar um grêmio e realizar atividades culturais.
Na primeira disputa para o grêmio estudantil, participaram duas chapas e, ainda durante a campanha, foi criado o cineclube Kanal. Após a eleição, a chapa perdedora se juntou à vencedora na construção do Movimento Estudantil na escola, em clima de unidade.
O cineclube Kanal, que tinha esse nome em homenagem ao canal que passa na frente da escola, foi presidido por Silvio Da Rin, que se tornaria depois um dos principais documentaristas brasileiros, e chegou a atrair o público externo, aparecendo na página de cinema dos jornais O Globo e Jornal do Brasil. Antes de Silvio, o presidente era o amigo dele Alan Albuquerque.
Alan deixou o cargo quando foi eleito presidente da AMES Rio (Associação Municipal dos Estudantes Secundaristas), em 1966. Na época, aquela era uma entidade estudantil forte e reconhecida pelos estudantes de todo o município. Uma das principais organizações estudantis no combate à Ditadura, a AMES passou os últimos anos no imobilismo, mas foi resgatada à luta em seu último congresso, realizado no final de 2022.
Além de Alan, Jaime Cardoso, um dos vice-presidentes da AMES também estudava na escola, o que mostra o protagonismo que desempenhava o CEAM nas lutas estudantis da cidade. Na gestão seguinte, o vice-presidente também era um estudante da escola.”
Como diz o jornalista Gabriel Puga, após a eleição da primeira diretoria, as duas chapas que concorreram nas eleições se juntaram e o Cineclube Kanal teve um papel importante nesta fusão, pois seus diretores faziam parte da chapa que perdeu as eleições. A junção das duas chapas fortaleceu bastante o grêmio e deu uma conotação de luta política à atuação da entidade.
O nome do cineclube, Kanal, era inspirado no canal que corta a avenida Visconde de Albuquerque, passando em frente ao colégio. Mas também no filme checo Kanal, que estava passando no Rio de Janeiro com grande sucesso, na época. O que explica porque o nome era escrito com K. Este cineclube, apesar de localizado num colégio de segundo grau, acabou tendo um papel importante no movimento cinéfilo da cidade, pois atraiu um grande público e sua programação era noticiada nos dois principais jornais da cidade. Nesta época, a vida cultural do Rio de Janeiro, especialmente nos cinemas, era intensa, com uma conotação política explícita. Os debates eram frequentes, o que explicava o surgimento de um movimento cineclubista forte, liderado pela Cinemateca do Museu de Arte Moderna – MAM.
A programação do Cineclube Kanal era dividida em duas categorias, sempre às quartas-feiras. Ao meio-dia havia uma sessão restrita aos alunos, com filmes de temática jovem e principalmente adolescente, como A Guerra dos Botões, de Yves Robert, por exemplo. A segunda sessão, às 21 horas, era dedicada ao público externo (além dos alunos, é claro), com filmes de qualidade, “filmes de arte”, como se dizia na época, que não estivessem mais disponíveis nos cinemas. Era uma oportunidade para o público rever grandes filmes, geralmente mais antigos, numa época em que não existiam os streamings.
Eu fui o fundador e primeiro presidente do cineclube, por pouco tempo, como explicado no artigo de Gabriel Puga, e fui sucedido pelo Silvio Da Rin. Dado o grande protagonismo que o cineclube Kanal assumiu, o Silvio foi eleito presidente da Federação dos Cineclubes do Rio de Janeiro, com sede no Museu da Arte Moderna – MAM. E como é lembrado no artigo, Silvio tornou-se um cineasta importante, se dedicando a dirigir documentários.
Era um momento de grande efervescência intelectual no Rio de Janeiro, ao lado de uma luta cada vez mais intensa contra a Ditadura, e o cineclube Kanal participou neste momento, deixando saudade, mesmo que existindo por pouco tempo, pois dois anos depois de sua fundação, o AI-5 veio para radicalizar a repressão fascista e calar todas as vozes e movimentos culturais, que tiveram que sobreviver na clandestinidade.
Alan Melo Marinho de Albuquerque