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Mesmo condenados, militares da trama golpista recebem salários que ultrapassam R$ 4,5 milhões por ano

(Fonte: Brasil de Fato)

a trama golpista continuam recebendo seus soldos (salários), pensões ou aposentadorias.

Somados os valores, o governo brasileiro desembolsa pelo menos R$ 4,58 milhões por ano para bancar 13 militares envolvidos na tentativa de golpe. Os salários mensais variam de R$ 12.307 mil no caso do ex-presidente Jair Bolsonaro a R$ 36.502 no caso do general da reserva Augusto Heleno. Os dados estão no Portal da Transparência. O cálculo foi feito com a soma das remunerações, multiplicados por 13 meses, contando o adicional natalino, sem contar possíveis adicionais.

Compõem esse grupo os oito kids pretos (militares da ativa ou da reserva do Exército, especialistas em operações especiais), que estavam envolvidos no plano de assassinato do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT), do vice Geraldo Alckmin e do próprio ministro Moraes, além dos cinco militares do chamado núcleo 1: capitão reformado do Exército Jair Bolsonaro, almirante de Esquadra da reserva Almir Garnier e os generais da reserva Paulo Sérgio Nogueira, Augusto Heleno e Walter Braga Netto.


Segundo especialistas ouvidos pelo Brasil de Fato, os pagamentos só serão interrompidos quando os militares forem julgados pelo Supremo Tribunal Militar (STM), a partir daí eles poderão perder as patentes.

Para isso acontecer, o caso deve antes passar pela Procuradoria Geral da Justiça Militar (PGJM) que irá apresentar uma representação com a análise de cada caso para o Conselho de Justificação e Representação do STM, grupo formado por 15 juízes, 10 militares e cinco juízes civis.

“Eu entendo que ele já deveria até ter apresentado, ele teve tempo mais do que suficiente para apresentar, mas pelo que eu estou ouvindo, ele vai deixar só para fevereiro do ano que vem”, explicou Jorge Folena, advogado e cientista político. Procurados, o STM e a PGJM não responderam aos questionamentos da reportagem sobre o trâmite dos processos.

Mas mesmo que eles percam os postos de militares, as famílias poderão continuar a receber as remunerações por causa da chamada “morte ficta”, prevista no estatuto do Exército. “Nesse caso as famílias passam a receber o ordenado que era daquele militar. Eu considero que é um absurdo, é um privilégio que é dado aos militares que não deveriam ter”, criticou Folena.

Na visão do advogado, o dispositivo deveria ter sido julgado inconstitucional pelo STF. “Eu entendo que é incompatível com a Constituição. Porque isso afronta diretamente o princípio republicano, de que a República pressupõe que as pessoas sejam iguais e haja transparência.”

‘Entulho autoritário’
O julgamento e a prisão dos militares pelo STF “não fechou nenhum ciclo”, é o que pensa o historiador Francisco Carlos Teixeira da Silva. Segundo ele, há uma quantidade significativa do que ele chama de “entulho autoritário” que fornece aos militares diversos privilégios diante da justiça comum. Ele destaca, por exemplo, algumas declarações de militares que se opuseram às condenações.

Em um comunicado conjunto divulgado em 26 de novembro de 2025, os presidentes dos três principais clubes militares do país, almirante de Esquadra Alexandre José Barreto de Mattos (Clube Naval), o general de Brigada Sérgio Tavares Carneiro (Clube Militar) e major-brigadeiro do Ar Marco Antonio Carballo Perez (Clube de Aeronáutica) manifestaram veemente preocupação com a prisão de oficiais envolvidos na trama golpista.

A nota intitulada “Injustas Prisões”, reflete o pensamento de uma parte significativa das Forças Armadas Brasileiras, que critica a forma como o processo judicial foi conduzido. Segundo a liderança dos clubes, a decisão de prisão imediata, mesmo após o julgamento ser alvo de “críticas técnicas consistentes” levantadas, “transmite a sensação de que etapas essenciais de revisão e ponderação foram desconsideradas”.

Os militares destacam que as penas aplicadas são vistas como “desproporcionais e desequilibradas, e que nem deveriam existir”, chegando a compará-las a sentenças dadas a criminosos como assassinos e traficantes.

A carta defende a honra dos detidos, mencionando que as prisões atingem “respeitados chefes militares, com passado ilibado, com uma carreira de mais de 40 anos de serviços prestados à nação brasileira”. Ao criticar a condução do caso, o documento afirma que discordar da decisão não é um ataque às instituições, mas sim um ato de defesa da segurança jurídica e da credibilidade do Judiciário.

O texto conclui que a contestação das prisões é “não apenas legítima, mas necessária” para construir uma justiça “sólida, respeitosa e, verdadeiramente, republicana”, sugerindo que o sistema judicial só se aperfeiçoa quando acolhe críticas bem fundamentadas e não avança apesar delas.

Outro ponto lembrado por Francisco é a fala do ministro Carlos Augusto Amaral Oliveira, do STM, quando criticou a ministra Maria Elizabeth Guimarães Teixeira Rocha, presidente da Corte, após ela pedir desculpas às vítimas da ditadura militar (1964–1985).
Ele avalia que “tem um ranger de dentes extremamente forte a ponto de se expressarem por meio de carta. Além disso, os militares mantêm privilégios, leis privadas que só valem para eles e que os transformam em mais cidadãos do que o conjunto da cidadania brasileira.”

Dentre os privilégios, Folena discorda também da decisão do ministro Alexandre de Moraes de mandar os militares presos para o estabelecimento militar. “Se são condenados, Bolsonaro, todos, têm que ir para o sistema prisional. Assim que eu vejo como qualquer pessoa que é condenada, diante do que prevê a Constituição.”

Ainda assim, a expectativa, segundo ele, é que os militares percam as patentes em breve. “A presidente do STM tem manifestado para a sociedade brasileira que haverá um julgamento, que ela vai se empenhar para que seja um julgamento justo, de acordo com o que diz a Constituição e o Estatuto dos Militares.”

Histórico de perda de patentes
Inclusive, a jurisprudência do STM tem tirado a patente de militares oficiais condenados a penas superiores a dois anos. Nos últimos oito anos, a Corte concluiu 96 processos de Conselho de Justificação e Representação por Indignidade ou incompatibilidade para o oficialato.

Levantamento interno do próprio Tribunal revelou que, entre janeiro de 2018 e novembro de 2025, foram analisados 96 processos. Em mais de 86% dos julgamentos (84 casos), o desfecho foi pela cassação da patente e do posto. Até o momento em 2025 foram julgados 17 casos.

Ele aposta na mudança do artigo 142 da Constituição Federal que trata das funções e definições das Forças Armadas (Marinha, Aeronáutica e Exército) como instituições nacionais permanentes, que podem invocar à Garantia da Lei e da Ordem (GLO), atuando para manter a ordem interna quando as forças de segurança pública são insuficientes, sem ferir a soberania ou a democracia.

“A GLO foi um dos mecanismos que os bolsonaristas usavam para tentar fazer intervenção militar no Brasil. A GLO é um equívoco republicano, é um mecanismo monárquico, que, inclusive, no Brasil foi introduzida na Constituição de 1824 por Pedro 1º”, critica o advogado.

O historiador e professor aposentado da Universidade Federal Fluminense (UFF) Manuel Domingos Neto lembra que recentemente Lula decretou a Política Nacional de Defesa (PND) que define os objetivos da defesa do Brasil, a Estratégia Nacional de Defesa (END), que detalha como alcançar esses objetivos a médio prazo, e o Livro Branco de Defesa (LBDN), um documento público que detalha a atuação do poder militar brasileiro.

Para ele, esses documentos não foram amplamente debatidos, o que aponta para pouca discussão sobre transformações mais profundas nas Forças Armadas.

“Eu tenho certeza que isso aí foi essencialmente fruto das três forças. Não houve maior participação no Congresso. Na verdade, apenas uma participação protocolar. Ninguém sabe disso, os partidos não tomaram conhecimento. Apenas uma decisão de natureza política pode, de fato, deixar o controle das Forças Armadas ao comando político”, conclui o pesquisador do meio militar há mais de 50 anos.

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