Mulher descobre, 50 anos depois, ser órfã da ditadura; E ainda há quem não queira remoer o passado.
(Fonte: Cartal Capital.)
Nadja Mendes de Araújo tinha apenas 4 anos quando foi morar com o avô materno, no início dos anos 1970. Cresceu ouvindo que o pai era bandido e que a mãe a havia abandonado. Só agora, aos 57 anos, descobriu que eles foram vítimas da ditadura. Seu pai, João Mendes de Araújo, foi perseguido e assassinado por agentes da repressão no apartamento onde morava, em Olinda, na Região Metropolitana do Recife. Sua mãe, Maria de Lourdes Lima, precisou fugir para não ter o mesmo destino do marido e levou consigo o filho mais novo, que ainda mamava. Já doente, pouco antes de morrer, o avô de Nadja pediu que ela não fosse entregue à mãe, deixando sua criação sob a responsabilidade de um tio, que deu continuidade à farsa.
“Minha vida foi uma mentira. Diziam que meu pai era um bandido e que minha mãe não gostava de mim, mas ela teve de fugir para não ser morta. Eu não sabia disso. Achava que ela tinha me descartado”, diz Nadja, que só descobriu a verdade em fevereiro deste ano, quando a Comissão Especial Sobre Mortos e Desaparecidos Políticos (CEMDP) esteve em Pernambuco, realizando diligências em cemitérios onde estão enterradas vítimas da ditadura. Uma reportagem transmitida por uma emissora de tevê local mencionou o nome de Araújo. Uma cunhada de Nadja viu a matéria e a alertou.
A partir daí, ela iniciou uma saga para descobrir sua história familiar: procurou grupos de parentes de vítimas da ditadura, enviou e-mails para parlamentares e comissões estaduais da verdade, buscou informações no Arquivo Público e cruzou dados até ter certeza de que ela também era uma vítima do regime militar, que lhe tirou o direito de crescer ao lado dos pais.
“A ditadura quase destruiu minha vida. Tive a sorte de contar com uma mulher, esposa do meu tio, que cuidou de mim com amor. Eu não gostava de política, mas, depois que descobri o que fizeram com meu pai, comecei a me interessar e entender essa ditadura nojenta que matou muita gente, destruiu famílias e me deixou com um trauma profundo”, lamenta Nadja.