Não se trata de “Nós contra eles”. É a luta de classes, estúpido! Por João Ricardo Dornelles
Desde a vitória eleitoral do Presidente Lula liderando uma frente ampla envolvendo desde as diferentes tendências da esquerda até setores do que é vulgarmente chamado centro-direita democrática, seja lá o que isso possa significar, antes mesmo da sua posse, já era possível perceber que seriam anos de governo sob cerco e bombardeio pesado.
No período de transição, além das ameaças golpistas de Bolsonaro e seus Milicos Amestrados (ou seria o contrário?), já era possível acompanhar os editoriais dos grandes jornalões, dos programas televisivos da Globo News etc, ligados aos interesses do mercado e do grande capital internacional, tentando pautar o governo no sentido do corte de gastos, da manutenção da taxa de juros nas alturas, da permanência da política econômica privatista de austeridade do Paulo Guedes.
Com apenas sete dias de governo parte dessa gente se movimentou no sentido da intentona fascista destruindo as sedes dos poderes da República. Parte deles estão sendo julgados agora e, possivelmente, estarão atrás das grades em breve.
O cerco e os ataques não cessaram e vinham de todos os lados, inclusive minando por dentro o próprio governo de frente ampla com seu jeitinho Franskstein de ser. Um governo com a oposição dos fascistas bolsonaristas, dos farialimers, de boa parte do agronegócio, dos lavajatistas, da grande mídia ligada aos interesses das classes dominantes, dos bilionários da fé e de um Congresso Nacional amplamente dominado pelo fisiologismo do centrão, irrigado pelas emendas secretas impositivas. A composição de todas essas forças mostra o quadro distópico que vivemos no país.
Desde o seu início o governo Lula tentou implementar uma tática política de composição com setores da frente ampla e buscando atrair segmentos mais hostis para dar base de sustentação política e garantir que as pautas principais do governo fossem aprovadas no Congresso.
Na minha modesta opinião, desde o início do governo já era possível perceber que seria quase impossível dobrar o apetite do centrão e a sua chantagem. Antes foram Arthur Lira e Rodrigo Pacheco, agora Hugo Motta e Davi Alcolumbre à frente do assalto do orçamento federal, imobilizando a capacidade para Lula governar.
Vale lembrar que as emendas parlamentares anteriormente eram indicativas, não obrigando o Poder Executivo a incluir tais recursos no orçamento. Em 2015, já no ambiente do golpe que levou ao afastamento a Presidenta Dilma Rousseff em 2016, parte das emendas passaram a ser impositivas, obrigando o governo federal à inclusão dos recursos no seu orçamento. A partir de 2020, já no governo Bolsonaro, o Congresso Nacional, com forte participação do chamado centrão, ampliou mais ainda a sua influência, permitindo aos parlamentares o encaminhamento de recursos do orçamento sem destinação específica.
Como tudo que é ruim pode piorar, ainda no governo Bolsonaro, o Congresso ampliou os seus poderes sobre o orçamento público federal criando as emendas de comissões permanentes e as emendas de relator-geral, que passaram a ser conhecidas como “Orçamento Secreto”. Simplificando, o Brasil, desde o golpe de 2016 e especialmente a partir do (des)governo Bolsonaro passou a ter grande parte do orçamento federal sob controle do relator-geral do Orçamento, sem transparência sobre os critérios de escolha e sobre a destinação dos valores, inclusive omitindo os nomes dos parlamentares beneficiados.
No dia 19 de dezembro de 2022, o STF declarou a inconstitucionalidade do orçamento secreto. Apesar da decisão do STF, as emendas parlamentares, ao se tornarem impositivas, passaram para as mãos do Congresso uma grande parte do Orçamento da União criando uma disfuncionalidade que fortaleceu a maioria parlamentar do centrão, que usa o parlamento como balcão para grandes negociatas, além de ser um fator de chantagem permanente contra o governo. Atualmente as emendas parlamentares no Orçamento da União somam cerca de R$ 50,5 Bilhões, com R$ 39 bilhões para as emendas impositivas, ou seja, aquelas que são de execução obrigatória. Isso significa mais ou menos o seguinte: o parlamentar indica recursos e o governo é obrigado a pagar, mesmo que o destino desse dinheiro não seja estratégico, prioritário ou necessário.
E, para piorar, ainda criaram as chamadas “emendas pix” ou transferências especiais que permitem que os recursos sejam encaminhados diretamente para os estados e municípios sem controle do governo federal.
Como dizíamos antes, o governo Lula enfrenta um ambiente de guerra, com ataques de todos os lados e minado por dentro. E a constante chantagem e ameaça do centrão passou a ser um dos instrumentos usados para colocar o governo nas cordas.
Vale a pena uma pequena avaliação sobre a tática da frente ampla e se ela ainda é a melhor alternativa para enfrentar as forças da direita – da chamada direita democrática (?) à extrema-direita. Considero que a política de frente ampla foi o caminho usado para derrotar Bolsonaro em 2022. No entanto, desde o início do governo já era possível ver que tal tática tinha limite e seus dias contados, apesar de Lula e parte do PT continuarem apostando na prática dos acordos como o melhor caminho para governar. Tenho minhas dúvidas.
Se desde o início do governo começou o bombardeio contra Lula, neste momento, há cerca de 15 meses das eleições presidências de 2026, já vivemos um ambiente de confronto em que a grande imprensa adota a prática do jornalismo de guerra, omite as conquistas e entregas do governo Lula, cria fake news, impulsionando um ambiente tóxico e explosivo semelhante ao que ocorreu entre 2013 e 2016 contra o governo Dilma.
A grande imprensa e os agentes do chamado mercado martelam na tecla de que o governo é gastador, que Lula e Haddad querem aumentar impostos de todos, que a economia vai mal, que o governo não tem rumo. O presidente viaja para China, França, Vietnam, Rússia e a grande imprensa nada fala do que importa, que foram assinados acordos de investimentos de bilhões de dólares para a economia brasileira. Preferem criar fake news em relação à mulher do Lula, que teria viajado com centenas de malas ou que criou uma saia justa em um jantar com Xi Jimping. São os agentes do capitalismo internacional, os e as vira-latas do Ocidente Coletivo Ampliado, de Washington, Wall Street e da City londrina. Na verdade, não se pode falar que são meios de comunicação, são agências que representam interesses geopolíticos do império em decadência no Brasil. Por esse motivo não se conformam com o fato de em três anos Lula, mesmo sob bombardeio, ter recuperado o protagonismo internacional do Brasil, recolocando a nossa economia na sétima posição mundial (PIB PPC – por paridade de compra –https://comunidade.nubank.com.br/t/brasil-j%C3%A1-%C3%A9-a-s%C3%A9tima-maior-economia-do-mundo-em-ppc/637128 ), como também ter sido o segundo país que mais cresceu no mundo no primeiro trimestre de 2025 ( https://www.publico.pt/2025/05/30/publico-brasil/noticia/brasil-segundo-pais-cresceu-mundo-trimestre-2025-2135034 ).
Os agentes dos interesses do capital internacional, encastelados na grande imprensa, exigem diariamente nos editoriais e nos noticiários televisivos que o governo realize corte de gastos, ajuste fiscal, privatizações e todo o receituário da austeridade neoliberal. Ou seja, necrocapitalismo ou capitalismo de barbárie na veia. A imensa maioria do povo não se dá conta do que está acontecendo ou embarca nesta narrativa.
A grande imprensa e os parlamentares fisiológicos do centrão passaram a fazer uma gritaria danada e a se descabelar quando parte da esquerda começou a tentar elucidar o que está acontecendo, informando que cortar gastos não pode atingir as políticas sociais, não pode ser cortar recursos para saúde e educação pública, para bolsa família, para salário mínimo, para aposentadorias, para o projeto “minha casa, minha vida” etc. Os agentes dos interesses do grande capital estão muito nervosos quando mostramos que quem deve pagar a conta do ajuste fiscal é a ínfima parcela de superbilionários e as atividades que não pagam impostos ou proporcionalmente pagam muito menos do que a imensa maioria da população, os trabalhadores pobres, trabalhadores de classe média, pequenos empresários etc. Como também é necessário que os cortes de gastos atinjam as emendas parlamentares e os privilégios de uma casta fisiológica incrustada no poder legislativo. Só para termos ideia da falta de vergonha, cara de pau e canalhice de gente da laia de Hugo Motta, Cleitinho, Nikolas e outras coisas do gênero, enquanto gritavam que o governo tem que parar de gastar (com investimentos sociais e de desenvolvimento), impuseram o aumento do número de deputados na Câmara a partir da próxima legislatura.
O que está em jogo é uma questão central nas sociedades capitalistas, a questão distributiva da riqueza produzida. Ou como sempre disse o Presidente Lula, desde o seu primeiro governo, “colocar o pobre no orçamento e o rico no imposto de renda” e que recursos para políticas sociais e de desenvolvimento não é gasto, mas sim investimento.
Os editoriais dos “Globos, Estadões, Folhas da vida” estão enlouquecidos com as falas do presidente e do ministro Haddad. Voltam com a conversa fiada de que “Lula e o PT querem dividir o Brasil entre nós e eles”.
Senhoras e senhores pseudojornalistas dos grandes meios de comunicação, por favor, compostura, não sejam tão cínicos. Para vocês, unificar o Brasil é manter uma política econômica de austeridade? É adotar políticas que concentram a renda? É aumentar o desemprego para não aquecer a economia, pois isso pode significar inflação? É voltar à política econômica do Paulo Guedes? É recolocar grande parte do povo na fila do osso? Ou se esqueceram disso? Do que estamos falando?
Estamos falando do que um velho barbudo no século XIX nos mostrou, o motor da história é a luta de classes (na verdade foram dois velhos barbudos que nos mostraram isso). E a tal luta de classes não foi uma invenção dos trabalhadores ou dos pobres, não uma criação da cabeça de algum lunático, não é uma invenção de anarquistas, comunistas, socialistas ou algo assim. A luta de classes é a expressão das contradições materiais existentes nas sociedades divididas em classes sociais com interesses antagônicos.
Ou será que um operário, uma manicure, um entregador de comida por aplicativo, um motorista de ônibus, uma enfermeira, um policial, um professor, um trabalhador sem terra, um pequeno proprietário (dono de um boteco, por exemplo) têm os mesmos interesses que um Jorge Paulo Lemann, por exemplo?
Os analistas de mercado, os pseudojornalistas econômicos, políticos de direita, os ideólogos do necrocapitalismo neoliberal, não param de falar que “não existe almoço grátis” e “cada um tem que fazer a sua parte”. Se é assim, sejam consequentes com o que dizem (para os outros). Que tal os bilionários e milionários assumirem alguma responsabilidade social?
Abaixo temos a lista dos maiores multibilionários brasileiros somente para imaginarmos quanto cada um deles ganha por dia, por hora, por minuto com dividendos, com ganhos de capital no mercado financeiro etc. Boa parte dos seus rendimentos não são tributados ou praticamente nada pagam, proporcionalmente ao que é pago em imposto de renda por um trabalhador (das classes populares e das classes médias). O impacto que um imposto sobre suas fortunas teria é praticamente zero, inclusive o seu estilo de vida seria exatamente o mesmo. Para um trabalhador que paga imposto de renda o impacto é proporcionalmente muito maior.
Quando o Presidente Lula procura isentar do imposto de renda aqueles que ganham até R$ 5.000,00 e que os que ganham mais de R$ 50.000,00 passem a pagar 10% de alíquota de imposto de renda começa a gritaria do mercado e seus vassalos na imprensa e no Congresso Nacional.
As propostas do governo Lula apontam para diminuir a injustiça social e romper com a histórica desigualdade tão bem vista pelas oligarquias dominantes desde tempos coloniais.
Enfim, é hora de mobilização popular e de mostrar que não se trata de dividir o país entre “nós e eles”, afinal são essas classes dominantes que sempre criaram um fosso entre aqueles que “estão na cobertura e os que moram nos andares de baixo”.
Não se trata de “nós contra eles”, é a luta de classes, estúpido!
Vila Nova de Gaia, Portugal, 03 de julho de 2025.
Observação:
Abaixo a lista das maiores fortunas do Brasil em 2025, medidas pela Forbes: https://forbes.com.br/forbes-money/2025/04/bilionarios-2025-alta-do-dolar-reduz-brasileiros-da-lista-da-forbes-de-69-para-55/
1) Eduardo Saverin
Patrimônio Líquido: US$ 34,5 bilhões (R$ 196,65 bilhões)
Idade: 43 anos
Fonte de riqueza: Facebook
2) Vicky Sarfati Safra e Família
Patrimônio Líquido: US$ 20,7 bilhões (R$ 118,99 bilhões)
Idade: 72 anos
Fonte de riqueza: Banco Safra
3) Jorge Paulo Lemann e Família
Patrimônio Líquido: US$ 17 bilhões (R$ 96,90 bilhões)
Idade: 85 anos
Fonte de riqueza: Cervejaria Anheuser-Busch InBev
4) Carlos Alberto Sicupira e família
Patrimônio Líquido: US$ 7,6 bilhões (R$ 43,32 bilhões)
Idade: 77 anos
Fonte de riqueza: Cervejaria Anheuser-Busch InBev
5) André Santos Esteves
Patrimônio Líquido: US$ 6,9 bilhões (R$ 39,33 bilhões)
Idade: 56 anos
Fonte de riqueza: Banco BTG Pactual
6) Fernando Roberto Moreira Salles
Patrimônio Líquido: US$ 6,5 bilhões (R$ 37,05 bilhões)
Idade: 78 anos
Fonte de riqueza: Banco Itaú
7) Pedro Moreira Salles
Patrimônio Líquido: US$ 6,1 bilhões (R$ 34,77 bilhões)
Idade: 65 anos
Fonte de riqueza: Banco Itaú
8) Miguel Krigsner
Patrimônio Líquido: US$ 6,1 bilhões (R$ 34,77 bilhões)
Idade: 75 anos
Fonte de riqueza: O Boticário
9) Max Van Hoegaerden Herrmann Telles
Patrimônio Líquido: US$ 5,8 bilhões (R$ 33,06 bilhões)
Fonte de riqueza: Cervejaria Anheuser-Busch InBev
10) Alexandre Behring
Patrimônio Líquido: US$ 5,7 bilhões (R$ 32,49 bilhões)
Idade: 58 anos
Fonte de riqueza: 3G Capital
11) João Moreira Salles
Patrimônio Líquido: US$ 4,5 bilhões (R$ 25,65 bilhões)
Idade: 63 anos
Fonte de riqueza: Banco Itaú
12) Walter Moreira Salles Junior
Patrimônio Líquido: US$ 4,5 bilhões (R$ 25,65 bilhões)
Idade: 68 anos
Fonte de riqueza: Banco Itaú
13) Jorge Moll Filho e Família
Patrimônio Líquido: US$ 4,4 bilhões (R$ 25,08 bilhões)
Idade: 80 anos
Fonte de riqueza: Rede D’Or
14) Joesley Batista
Patrimônio Líquido: US$ 3,8 bilhões (R$ 21,92 bilhões)
Idade: 53 anos
Fonte de riqueza: JBS S.A.
15) Wesley Batista
Patrimônio Líquido: US$ 3,8 bilhões (R$ 21,92 bilhões)
Idade: 52 anos
Fonte de riqueza: JBS S.A.
16) Maurizio Billi
Patrimônio Líquido: US$ 3,7 bilhões (R$ 21,09 bilhões)
Idade: 67 anos
Fonte de riqueza: Eurofarma
17) Alceu Elias Feldmann e família
Patrimônio Líquido: US$ 3,3 bilhões (R$ 18,81 bilhões)
Idade: 77 anos
Fonte de riqueza: Fertilizantes – Fertipar
18) Jose Joao Abdalla Filho
Patrimônio Líquido: US$ 3,2 bilhões (R$ 18,24 bilhões)
Idade: 79 anos
Fonte de riqueza: Banco Clássico
19) Mário Araripe
Patrimônio Líquido: US$ 3 bilhões (R$ 17,10 bilhões)
Idade: 70 anos
Fonte de riqueza: Casa dos Ventos
20) João Roberto Marinho
Patrimônio Líquido: US$ 3 bilhões (R$ 17,10 bilhões)
Idade: 71 anos
Fonte de riqueza: Rede Globo
21) José Roberto Marinho
Patrimônio Líquido: US$ 3 bilhões (R$ 17,10 bilhões)
Idade: 69 anos
Fonte de riqueza: Rede Globo
22) Roberto Irineu Marinho
Patrimônio Líquido: US$ 3 bilhões (R$ 17,10 bilhões)
Idade: 77 anos
Fonte de riqueza: Rede Globo
23) Lirio Parisotto
Patrimônio Líquido: US$ 2,8 bilhões (R$ 15,96 bilhões)
Idade: 71 anos
Fonte de riqueza: Investimentos
24) Marcel Herrmann Telles & família
Patrimônio Líquido: US$ 2,3 bilhões (R$ 13,11 bilhões)
Idade: 75 anos
Fonte de riqueza: Cervejaria Anheuser-Busch InBev
25) Alexandre Grendene Bartelle
Patrimônio Líquido: US$ 2,2 bilhões (R$ 12,54 bilhões)
Idade: 75 anos
Fonte de riqueza: Grendene
26) Julio Bozano
Patrimônio Líquido: US$ 2,1 bilhões (R$ 11,97 bilhões)
Idade: 89 anos
Fonte de riqueza: Banco Santander
27) Luciano Hang
Patrimônio Líquido: US$ 2 bilhões (R$ 11,40 bilhões)
Idade: 62 anos
Fonte de riqueza: Rede varejista Havan
28) Jayme Garfinkel e família
Patrimônio Líquido: US$ 2 bilhões (R$ 11,40 bilhões)
Idade: 79 anos
Fonte de riqueza: Porto Seguro
29) Edir Macedo e família
Patrimônio Líquido: US$ 1,8 bilhões (R$ 10,26 bilhões)
Idade: 80 anos
Fonte de riqueza: Mídia
30) Ilson Mateus e família
Patrimônio Líquido: US$ 1,9 bilhões (R$ 10,83 bilhões)
Idade: 62 anos
Fonte de riqueza: Supermercados do Grupo Mateus
Fonte da Informação: https://forbes.com.br/forbes-money/2025/04/bilionarios-2025-alta-do-dolar-reduz-brasileiros-da-lista-da-forbes-de-69-para-55/
João Ricardo Dornelles – Professor do Programa de Pós-Graduação em Direito da PUC-Rio; Coordenador do Núcleo de Direitos Humanos da PUC-Rio; membro do Instituto Joaquín Herrera Flores/América Latina; membro do Coletivo Fernando Santa Cruz; Analista Político do Canal Iaras e Pagus/Youtube.