Nobel corrompido
Quando Maria Corina Machado ganha o Prêmio Nobel da Paz, a “paz” perde o significado.
Traduzido da publicação de CODEPINK*
Por Michele Ellner
Foto: Orlando Figuera, assassinado durante as guarimbas de 2017, a onda de distúrbios violentos liderada pela extrema direita venezuelana nas ruas de Caracas.
Quando vi a manchete Maria Corina Machado ganha o Prêmio da Paz, quase ri do absurdo. Mas não ri, porque não há nada de engraçado em premiar alguém cujas políticas trouxeram tanto sofrimento. Qualquer pessoa que saiba o que ela defende sabe que não há nada remotamente pacífico em suas políticas.
Se isso é o que conta como “paz” em 2025, então o próprio prêmio perdeu toda a credibilidade. Sou venezuelana-americana e sei exatamente o que Machado representa.
Ela é o rosto sorridente da máquina de mudança de regime de Washington, a porta-voz polida de sanções, privatizações e intervenções estrangeiras disfarçada de democracia.
A política de Machado é marcada pela violência. Ela pediu intervenção estrangeira, chegando a apelar diretamente a Benjamin Netanyahu, o arquiteto da aniquilação de Gaza, para que ajudasse a “libertar” a Venezuela com bombas sob a bandeira da “liberdade”. Ela exigiu sanções, essa forma silenciosa de guerra cujos efeitos – como estudos publicados na The Lancet e em outras revistas científicas demonstraram – mataram mais pessoas do que a guerra, cortando o fornecimento de medicamentos, alimentos e energia a populações inteiras.
Machado passou toda a sua vida política promovendo a divisão, erodindo a soberania da Venezuela e negando ao seu povo o direito de viver com dignidade.
Esta é quem Maria Corina Machado realmente é:
- Ela ajudou a liderar o golpe de 2002, que derrubou brevemente um presidente democraticamente eleito, e assinou o Decreto Carmona, que apagou a Constituição e dissolveu todas as instituições públicas da noite para o dia.
- Ela trabalhou em conjunto com Washington para justificar a mudança de regime, usando sua plataforma para exigir intervenção militar estrangeira para “libertar” a Venezuela pela força.
- Ela aplaudiu as ameaças de invasão de Donald Trump e seus deslocamentos navais no Caribe, uma demonstração de força que corre o risco de desencadear uma guerra regional sob o pretexto de “combater o narcotráfico”. Enquanto Trump enviava navios de guerra e congelava ativos, Machado estava pronta para servir como sua representante local, prometendo entregar a soberania da Venezuela em uma bandeja de prata.
- Ela pressionou pelas sanções americanas que estrangularam a economia, sabendo exatamente quem pagaria o preço: os pobres, os doentes, a classe trabalhadora.
- Ela ajudou a construir o chamado “governo interino”, um teatro de marionetes apoiado por Washington, comandado por um “presidente” autoproclamado que saqueou os recursos da Venezuela no exterior enquanto crianças em casa passavam fome.
- Ela promete reabrir a embaixada da Venezuela em Jerusalém, alinhando-se abertamente com o mesmo estado de apartheid que bombardeia hospitais e chama isso de autodefesa.
- Agora, ela quer entregar o petróleo, a água e a infraestrutura do país a empresas privadas. Essa é a mesma receita que fez da América Latina o laboratório da miséria neoliberal na década de 1990.
Machado também foi um dos arquitetos políticos de La Salida, a campanha da oposição de 2014 que convocou protestos intensificados, incluindo táticas de guarimba. Não foram “protestos pacíficos”, como alegou a imprensa estrangeira; foram barricadas organizadas com o objetivo de paralisar o país e forçar a queda do governo. Ruas foram bloqueadas com lixo queimado e arame farpado, ônibus que transportavam trabalhadores foram incendiados e pessoas suspeitas de serem chavistas foram espancadas ou mortas. Até ambulâncias e médicos foram atacados. Algumas brigadas médicas cubanas quase foram queimadas vivas. Prédios públicos, food trucks e escolas foram destruídos. Bairros inteiros foram reféns do medo, enquanto líderes da oposição como Machado aplaudiam nas laterais e chamavam isso de “resistência”.
Ela elogia a “ação decisiva” de Trump contra o que chama de “empreendimento criminoso”, alinhando-se ao mesmo homem que aprisiona crianças migrantes e desintegra famílias sob a vigilância do ICE, enquanto mães venezuelanas procuram seus filhos desaparecidos pelas políticas migratórias dos EUA. Machado não é um símbolo de paz ou progresso. Ela faz parte de uma aliança global entre fascismo, sionismo e neoliberalismo, um eixo que justifica a dominação na linguagem da democracia e da paz. Na Venezuela, essa aliança significou golpes, sanções e privatizações. Em Gaza, significou genocídio e o apagamento de um povo. A ideologia é a mesma: a crença de que algumas vidas são descartáveis, que a soberania é negociável e que a violência pode ser vendida como ordem.
Se Henry Kissinger pôde ganhar um Prêmio da Paz, por que não María Corina Machado? Talvez no ano que vem eles deem um à Fundação Humanitária de Gaza por “compaixão sob ocupação”. Cada vez que este prêmio é entregue a um arquiteto da violência disfarçada de diplomacia, ele cospe na cara daqueles que realmente lutam pela paz: os médicos palestinos que desenterram corpos dos escombros, os jornalistas que arriscam suas vidas em Gaza para documentar a verdade e os trabalhadores humanitários da Flotilha que navegam para romper o cerco e entregar ajuda às crianças famintas em Gaza, com nada além de coragem e convicção.
Mas a verdadeira paz não é negociada em salas de reuniões ou concedida em palcos. A verdadeira paz é construída por mulheres que organizam redes de distribuição de alimentos durante bloqueios, por comunidades indígenas que defendem rios da extração, por trabalhadores que se recusam a ser submetidos à fome, por mães venezuelanas que se mobilizam para exigir o retorno de crianças sequestradas sob as políticas de imigração dos EUA, e por nações que escolhem a soberania em vez da servidão. Essa é a paz que Venezuela, Cuba, Palestina e todas as nações do Sul Global merecem.
Disponível em: https://www.codepink.org/nobel_peace_prize_peace_has_lost_its_meaning