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O PL da “Dosimetria”

O “PL da Dosimetria” (https://legis.senado.leg.br/sdleg-getter/documento?dm=10127770&ts=1765399735102&disposition=inline) propõe alterações no tratamento penal dos “Crimes contra as instituições democráticas” ao estabelecer que os delitos “inseridos no mesmo contexto” deverão ser considerados em concurso formal próprio, nos termos da primeira parte do artigo 70 do Código Penal.

Assim, “aplica-se-lhe a mais grave das penas cabíveis ou, se iguais, somente uma delas, mas aumentada, em qualquer caso, de um sexto até metade”.

O projeto não cria anistia, mas produz um efeito jurídico semelhante: o crime de abolição violenta do Estado Democrático de Direito passa a ser necessariamente englobado pelo crime de golpe de Estado, considerado mais grave. Na prática, significaria que réus acusados pela prática de ambos os delitos responderiam apenas pelo crime mais grave, com aumento da pena deste.

Cria-se uma situação inédita: independentemente da pluralidade de ações ou de desígnios, aplica-se sempre a pena mais grave, com incremento de um sexto até metade, excluindo qualquer possibilidade de somatório de penas. O efeito prático é que os condenados por crimes gravíssimos contra as instituições democráticas (Bolsonaro incluso) teriam redução substancial pena.

E há outras consequências. Na escala de gravidade, o projeto faz com que delitos comuns permaneçam com maior capacidade de gerar reprimendas superiores àquelas aplicáveis a ataques estruturados ao próprio Estado.

A mensagem implícita do projeto é preocupante. Ao suavizar estruturalmente a resposta do Estado a quem tenta subverter suas instituições e promover rupturas democráticas, o PL transmite a ideia de que a tentativa de golpe (como sempre ocorreu em nossa história) “sai barato” no Brasil.

Em síntese, longe de ser um ajuste técnico, o “PL da Dosimetria” reconfigura pilares da teoria do concurso de crimes e introduz uma regra obrigatória de absorção que não encontra paralelo na tradição penal brasileira. Seus efeitos práticos, especialmente sobre processos em curso, são significativos e abrem espaço para um cenário de benevolência incompatível com a gravidade das condutas que se busca reprimir.

Por fim, o projeto também altera a Lei de Execução Penal para prever que, para o caso de crimes contra as instituições democráticas (não previstos na proposta de nova redação doart. 112) a progressão de regime volte a se dar com 1/6 do cumprimento de pena e não os atuais 25%.

Cássio Rebouças – Advogado Criminalista e Fundador do Fórum Memória, Verdade e Justiça de Espírito Santos.

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