Por uma concessão de TV independente.
Uma mídia amarga, criticamente cáustica, desinformante, tendenciosa e sabuja das elites dominantes é o retrato ATUAL.
A estrutura da mídia nacional, desde a sua formação, foi marcada pela concentração de poder político e econômico em poucos grupos empresariais. Esse monopólio histórico consolidou uma cultura comunicativa excludente, onde o espaço público é filtrado por interesses privados e a diversidade de vozes permanece sistematicamente limitada.
A ausência de regulação efetiva das concessões públicas de rádio e televisão, somada à conivência de sucessivos governos, permitiu que o sistema brasileiro de comunicação se tornasse uma das principais engrenagens de reprodução das elites.
O desenvolvimento técnico da comunicação no Brasil, em vez de expandir a pluralidade democrática, serviu, em diversos momentos, como instrumento de centralização ideológica e controle social.
Durante a ditadura militar, os meios de comunicação foram convertidos em um braço pedagógico do regime, responsável por difundir um projeto de modernização conservadora e silenciar dissensos.
As concessões de rádio e TV, distribuídas em larga escala a aliados políticos e empresários próximos ao poder, criaram um campo comunicacional moldado por relações de favorecimento e dependência.
A distribuição indiscriminada de concessões evidenciou o caráter clientelista da radiodifusão brasileira: as frequências, que deveriam servir ao interesse público, tornaram-se moeda de troca política.
Desde a redemocratização, a radiodifusão foi tratada como patrimônio privado das elites econômicas e parlamentares, e não como serviço público de interesse coletivo. Entre 1985 e 1988, por exemplo, mais de mil concessões foram distribuídas sob critérios políticos, beneficiando diretamente dezenas de congressistas que, em troca, garantiram apoio a pautas do Executivo.
Mesmo após a Constituição de 1988, que vedou monopólios e oligopólios na radiodifusão, a ausência de regulamentação efetiva manteve a lógica da concentração e da autoproteção. O Congresso, composto em parte por proprietários ou associados a emissoras, jamais se mostrou disposto a revisar esse quadro.
Nas décadas seguintes, o padrão se manteve. Governos recorreram à distribuição de retransmissoras e outorgas como instrumento de negociação legislativa, perpetuando um mercado de comunicação concentrado e avesso à competição democrática.
Fernando Henrique Cardoso, por exemplo, utilizou a liberação de retransmissoras de televisão (RTVs) como instrumento de barganha legislativa, distribuindo centenas de outorgas em pleno debate sobre a emenda da reeleição.
A concentração das licenças e o entrelaçamento entre elites empresariais e parlamentares criaram um ambiente de monopólio velado, onde a neutralidade da informação cede lugar à lealdade de mercado e ao cálculo eleitoral.
O resultado é uma paisagem midiática onde a direita, amparada por redes empresariais e por agentes políticos com acesso direto às concessões, mantém vantagem sistemática sobre os setores progressistas, que continuam à margem das estruturas de difusão de massa.
O vínculo entre poder político e propriedade midiática se reflete de forma direta nas disputas eleitorais. Em 2018, um levantamento do coletivo Intervozes revelou que ao menos 24 candidatos possuíam concessões de rádio ou televisão em cidades com mais de 100 mil habitantes. A maioria integrava partidos conservadores, e muitos apresentavam programas “policialescos” que reforçavam discursos de ódio, moralismo e punitivismo.
Não há paridade de armas nessa disputa.
Esses arranjos reforçam o desequilíbrio entre as forças políticas na mídia. Enquanto a direita se beneficia de redes privadas consolidadas, os movimentos sociais, sindicatos e coletivos independentes enfrentam barreiras quase intransponíveis para difundir suas pautas.
A direita fala a partir de um sistema que ela própria moldou e domina há décadas; a esquerda, por sua vez, tenta disputar esse espaço dentro de uma arquitetura que sempre a excluiu.
Décadas depois, a internet parecia anunciar uma nova era de democratização informativa, mas rapidamente se tornou o terreno de uma reconfiguração do poder.
As mesmas elites que monopolizavam os meios tradicionais souberam se adaptar à arquitetura digital, instrumentalizando algoritmos, plataformas e redes sociais.
Esse desequilíbrio não se restringe à mídia tradicional. Com a expansão da internet e das plataformas digitais, a extrema-direita brasileira transferiu e potencializou o seu domínio comunicacional para o espaço virtual.
A extrema-direita atual tem pleno domínio sobre as táticas de canais de comunicação contemporâneos. Em uma era em que a internet se tornou o principal agente informativo, sabe explorar com eficiência o fato de que o algoritmo das redes não é neutro, mas moldado por aqueles que mais o alimentam e direcionam o fluxo da informação.
Determinados grupos compreenderam, com precisão estratégica, o potencial político dessas tecnologias. Desde as Jornadas de Junho de 2013, consolidou-se um ecossistema comunicativo paralelo, sustentado pela desinformação e pelo ativismo digital da extrema-direita, que impulsionou o neoconservadorismo a partir da lógica de rede.
Esse movimento soube utilizar as dinâmicas algorítmicas das plataformas para reconfigurar o debate público, minar a credibilidade das instituições e difundir discursos autoritários com aparência de espontaneidade popular. O que se apresenta como livre circulação de ideias, na prática, opera como um sistema de controle informacional, no qual a pluralidade é substituída pela repetição e o contraditório é diluído por excesso de conteúdo coordenado.
Dominar os canais comunicativos, usar palavras alarmantes, extrapoladas e mentirosas, estimular no espírito da parcela da população, que não compreende muito bem todos os perigos das “fake news”, o sentimento de que apenas a direita sabe a verdade e tem a capacidade de salvar a nação, é um planejamento de dominação da comunicação maléfica, de eficácia fascista.
A eleição de Jair Bolsonaro representou a consolidação dessa engrenagem – um projeto comunicativo baseado em fake news, moralismo religioso e no uso intensivo de plataformas digitais como o WhatsApp, o YouTube e o Facebook.
Assim, o mesmo grupo que domina as concessões de rádio e televisão soube reproduzir sua hegemonia no meio digital, adaptando-se à linguagem das redes sem perder o controle centralizado do discurso.
Essa instrumentalização da técnica esvazia a comunicação de seu sentido público e transforma a tecnologia em instrumento de coerção.
As mídias independentes, comunitárias e educativas são progressivamente estranguladas – pela ausência de recursos, pelo bloqueio econômico e pela invisibilidade imposta pelos próprios circuitos digitais.
A hegemonia dos grandes conglomerados, associada à apropriação autoritária das redes, cria um ambiente de restrição estrutural ao pensamento crítico, no qual a pluralidade é neutralizada. É constituído, assim, um país onde a comunicação pública foi privatizada, e o espaço informativo, colonizado por interesses de grupos que historicamente resistem à redistribuição de poder e riqueza.
Mesmo os governos de orientação progressista evitaram enfrentar esse problema em sua raiz. Reconheceram a distorção, mas optaram por medidas paliativas.
Quando o governo aponta pautas que atingem corações e mentes, o povo o apoia imediatamente. Ocorre que, depois, os partidos e movimentos sociais têm dificuldades para dar prosseguimento no sentido da educação política, organização e mobilização.
O governo pode reunir os melhores comunicadores do mundo, que a questão comunicacional continuará a existir, porque não há paridade de mídias comunicacionais.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva assinou este ano o decreto de implementação da TV 3.0, considerada a nova geração da tecnologia de televisão aberta e gratuita brasileira.
A tecnologia irá trazer para as televisões brasileiras, de maneira livre, aberta e sem ônus plus, uma melhor qualidade de imagem, imersão de áudio e funcionalidades de interação, que dará mais independência ao telespectador, por exemplo, em qual câmera quer assistir uma partida de esporte.
Esse anúncio foi bem acolhido pela população, é uma alegria coletiva ter o acesso amplo e gratuito a uma melhor qualidade do serviço audiovisual. Já que deram esse passo para frente, que tal usar desse momento para incentivar espaços democráticos e verídicos de informação, apoiar veículos de comunicação independentes?
Fomentar a educação e formação política de um povo, que já está se identificando com as pauta de um país soberano e sente as mudanças positivas reais no dia a dia da classe trabalhadora, através de fontes confiáveis e lúdicas, será uma das armas mais eficazes que teremos contra o projeto de alienação e subordinação ao imperialismo que a extrema-direita tenta encaminhar o brasil.
Romper com o estrangulamento histórico das mídias independentes exige mais do que resistência discursiva; requer políticas públicas consistentes de fomento e redistribuição de recursos. É preciso criar condições materiais e institucionais para que veículos independentes possam disputar espaço e legitimidade no campo informativo brasileiro. Isso implica enfrentar a estrutura concentrada da comunicação por meio de subsídios diretos, linhas de financiamento específicas e marcos regulatórios que assegurem a diversidade e a sustentabilidade desses meios.
Democratizar a comunicação não é um gesto complementar à democracia, é parte do seu próprio funcionamento, um passo essencial para começar a reequilibrar um campo historicamente capturado por interesses privados.
Proposta: criar um consórcio de sites progressistas, sob a liderança do 247Brasil e do GGN, cujas experiências na imprensa é ampla e de longa data, com potencial de sucesso profissional e político.
Recursos financeiros para, uma vez recebida a concessão pública, implementar o projeto, existem, tanto institucionais como privados, a questão é ousar para conquistar.
Francisco Celso Calmon
