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Chacina Eleitoral

Começou a campanha eleitoral de 2026 e os candidatos já se mobilizam e montam os seus palanques. O governador do Rio de Janeiro, Cláudio Castro, da mesma estirpe que Tarcísio de Freitas, Bolsonaro, Hitler, Pinochet e Netanyahu, almeja o Senado e já ergueu o seu palanque de sangue.

O objetivo político de Cláudio Castro foi o de criar o caos em toda a cidade e a sensação de medo na população. O medo e o caos são fundamentais para criar o ambiente propício para a que a opinião pública aceite sem resistências as práticas necropolíticas fascistas, aporofóbicas, classistas e racistas.

Trata-se de uma operação com múltiplas faces que se combinam. Busca atingir o governo Lula e impulsiona o punitivismo, mobilizando os segmentos mais retrógrados da sociedade, também abre caminho para as hostilidades do imperialismo estadunidense e reafirma o poder violento das classes dominantes contra as classes populares. A criminalização da pobreza faz parte do projeto de controle e dominação pelo terror.

Já são quatro chacinas sob as ordens de Cláudio Castro. A maior até então tinha ocorrido em maio de 2021 no Jacarezinho. Na época eu escrevi um artigo no Brasil 247 com o título “Brasil: moinho de gastar gente”. ( https://www.brasil247.com/blog/brasil-moinho-de-gastar-gente ).

 Mas como todo serial killer tem sede de sangue, o governador bateu o seu próprio recorde no dia 28 de outubro de 2025, com a maior matança realizada no Rio de Janeiro em operações policiais. As últimas notícias relatam que já são mais de 200 pessoas assassinadas pela polícia nos Complexos do Alemão e da Penha.

Na verdade, Cláudio Castro não está combatendo o crime, está, sim, combatendo o governo Lula. Lembramos que o governador do Rio de Janeiro, juntamente com o governador de São Paulo, outros governadores da direita, a bancada do centrão e dos bolsonaristas, não apoiaram a PEC da segurança pública encaminhada pelo governo Lula com a proposta de constitucionalizar o SUSP (Sistema Único de Segurança Pública) dando à União a competência para definir diretrizes gerais da política de segurança pública e defesa social, incluindo o sistema penitenciário.

A matança ocorrida no dia 28 de outubro se enquadra nas dimensões da política brasileira, mas também se insere no embate geopolítico, onde o imperialismo decadente ameaça toda a América Latina.

O governo Trump colocou o chamado “narco-terrorismo” como o alvo a ser combatido na América Latina, como pretexto para políticas intervencionistas. As ameaças de invasão da Venezuela e de ataques à Colômbia usam como pretexto o narcotráfico, inclusive acusando seus governantes de serem os chefes do crime organizado. Nas últimas semanas mais de 30 pescadores venezuelanos e colombianos foram assassinados em verdadeiras execuções extrajudiciais, quando os seus pequenos barcos foram torpedeados por navios de guerra norte-americanos.

O pretexto utilizado para o golpe de 2016 contra a Presidenta Dilma Rousseff e para a prisão do Presidente Lula, em 2018, foi a chamada “luta contra a corrupção”. O mesmo ocorreu pela América Latina toda. O imperialismo agora usa como pretexto a “luta contra o narco-terrorismo”. Não devemos esquecer que há menos de uma semana Flávio Bolsonaro pediu que Trump enviasse um porta-aviões para combater o narcotráfico no Brasil. Castro, pelo seu lado, enviou relatório para o Consulado dos EUA informando sobre a operação e pedindo que o Comando Vermelho seja declarado como organização terrorista.

A atividade do narcotráfico não tem motivação política, mas sim econômica, de acumulação de capital através da produção e comercialização das drogas ilícitas. Dessa maneira, não faz o menor sentido declarar o narcotráfico como terrorismo.

Combater o chamado crime organizado exige mais política de inteligência e menos “bala, porrada e bomba”, exige seguir o rastro do dinheiro. Como já foi lembrado, narcotráfico não tem motivação política, mas sim econômica, o seu impulso é a acumulação de capital e, segundo o Relatório Mundial sobre Drogas 2025 da UNODC (Escritório das Nações Unidas contra Drogas e o Crime) entre 400 e 650 bilhões de dólares são as cifras da receita global do mercado das drogas. Assim, vemos que o narcotráfico internacional é uma atividade altamente lucrativa que movimenta anualmente mais dinheiro do que as reservas internacionais do Brasil, calculadas em cerca de 350 bilhões de dólares. Só para lembrar que o Brasil tem o oitavo ou nono maior PIB do mundo. Assim, não faz o menor sentido declarar o narcotráfico como terrorismo.

A pergunta que fica no ar é onde estão esses bilhões de dólares do narcotráfico? Debaixo do colchão ou no armário do chefe da boca em alguma favela do Brasil ou da América Latina? Não, é óbvio. São recursos que entram no circuito internacional da lavagem de dinheiro, na Suíça, paraísos fiscais, nos grandes bancos, no sistema financeiro internacional, que também acaba por se beneficiar dessa atividade econômica. As receitas do crime organizado internacional são altamente funcionais para o sistema capitalista.

E onde estão os chefões do crime organizado? Com certeza não estão morando nas favelas do mundo. Moram em mansões, frequentam os melhores salões de Nova York, Paris, Londres, estão nos altos cargos do poder econômico e do poder político em diversas partes do planeta.

No dia 28 de agosto de 2025, a Polícia Federal, em conjunto com a Receita Federal e o Ministério Público do Estado de São Paulo, realizou a Operação Carbono Oculto contra o PCC. A investigação revelou que o PCC estaria atuando no setor de distribuição de combustíveis, de fundos de investimentos e dentro do mercado financeiro. Na operação não foi disparado um único tiro, ninguém foi morto ou ferido e algumas pessoas foram presas.

O único caminho para combater o crime organizado é seguir o rastro do dinheiro e isso não leva às favelas, muito pelo contrário, leva para os centros financeiros, leva para os bairros ricos, leva para as mansões, clubes de luxo e salões refrigerados.

Outra questão que revela o caráter de classe e racista da política bolsonarista de Castro, Tarcísio e outros governadores é ver quem são os mortos. São os de sempre, nestes cinco séculos de Brasil. São pobres, moradores das periferias e favelas, são jovens, a grande maioria negros e pardos.

Onde já se viu uma operação policial que tem muito mais mortos do que presos? Os familiares e moradores das comunidades atingidas pela sanha assassina do governador relatam que muitos corpos apresentavam tiros na nuca ou no rosto, indicando execuções sumárias. A grande maioria dos mortos não tem passagem pela polícia e outra parte tinha passagem por pequenos delitos.

A política de Cláudio Castro segue a mesma lógica das forças armadas sionistas em relação aos palestinos, matam de forma brutal milhares de homens, mulheres, crianças, médicos, jornalistas e agentes humanitários de organismos internacionais e dizem que eram do Hamas.

Algumas pessoas dizem “ah, mas os bandidos também estavam armados…”. Sim, estavam. E estão. Não existe atividade econômica sem proteção armada. É a lógica do próprio capital. E não devemos esquecer que as atividades do chamado crime organizado são atividades de acumulação privada de capital. Agora podemos perguntar como as armas chegaram nas mãos dos narcotraficantes? Na verdade, o mesmo camburão da Polícia Militar que mata e apreende armas é aquele que recoloca as mesmas nas mãos das facções criminosas. As relações entre a polícia, setores políticos, empresários e o crime organizado são bem maiores do que se possa imaginar.

Estão criando o ambiente de caos e medo, constroem para a opinião pública a figura do “inimigo” a ser combatido e eliminado, criam as bases para o florescimento do fascismo. Com o caos, o medo e a figura do “inimigo” as populações exigem ordem e políticas altamente repressivas e violentas.  

Posso apostar que a violência e a criminalidade aumentarão muito nos próximos tempos, pelo menos até as eleições presidenciais de 2026. Não apenas nas favelas e periferias, mas em toda a cidade. Essa é a tática, criar um clima de instabilidade, de incerteza e medo generalizado, principalmente atingindo as classes médias que, sentindo-se ameaçadas, pedirão tanques nas ruas, intervenção militar (golpe), pena de morte, polícia assassina e aplaudirão as chacinas, acabando por votar nos candidatos que, mesmo ligados ao próprio crime organizado, fazem campanha defendendo a liberação das armas para que os “cidadãos de bem” possam se defender.

Uma pergunta que não sai da minha cabeça é se o Cláudio Castro, além dos interesses políticos e eleitorais da extrema-direita e dos arranjos geopolíticos do imperialismo, não está é buscando recuperar os territórios sob controle do Comando Vermelho para entrega-los às Milícias, base de sustentação do bolsonarismo? Sei não.

João Ricardo Dornelles
(Professor do Programa de Pós-Graduação em Direito da PUC-Rio; Coordenador do Núcleo de Direitos Humanos da PUC-Rio; membro do Instituto Joaquín Herrera Flores/América Latina; membro do Coletivo Fernando Santa Cruz; Analista Político do Canal Iaras e Pagus/Youtube).

Vila Nova de Gaia, Portugal, 29 de outubro de 2025.

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João Ricardo Dornelles

Professor do Programa de Pós-Graduação em Direito da PUC-Rio; Coordenador do Núcleo de Direitos Humanos da PUC-Rio; membro do Instituto Joaquín Herrera Flores/América Latina; membro do Coletivo Fernando Santa Cruz; Analista Político do Canal Iaras e Pagus/Youtube.

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