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Polarização afetiva

“Polarização afetiva” é um conceito que explica um fenômeno da comunicação de massa que retroalimenta e reforça sua visão de mundo (ideologia) sobre política, cultura, estética, consumo, etc.

Esta é potencializada através das redes sociais cujas empresas, as chamadas “big tech”, usam uma tecnologia específica que lança mão de algoritmos matemáticos para reforçar a visão de mundo de cada um a cada instante.

O uso disto em escala planetária foi propiciado pelo desenvolvimento tecnológico que criou o celular, a internet, a IA, os “data center”, e seus desdobramentos. Um destes criou um novo mercado que é o de geração de energia para abastecer o intenso consumo de energia que tudo isto tem.

A explicação sobre um fenômeno intenso é muito interessante pois é simples, auto explicativa, mas ela abstém de ir ao mérito da questão, a essência, valorando a aparência.

É uma ferramenta poderosíssima num planeta em que o celular virou uma extensão do cérebro na palma da mão, trazendo em tempo real informações e conceitos que inundam o quotidiano reforçando o que se chama de “sociedade do cansaço”, como diz o filósofo coreano Byung-Chul Han.

Não explica porque não se propõe a explicar a essência, que é o fenômeno da mercantilização de tudo no modo de produção capitalista: tudo de transforma em mercadoria, até o ato que dura um segundo do seu tempo de marcar um “coração” na tela do celular. Marcar uma opinião sobre política, sobre um outro indivíduo, mas também se gosta de um produto, se o adquire num toque (endereço de entrega e cartão de crédito já embutido no aplicativo que está no celular), se gera um “match” para um novo relacionamento afetivo, etc.

A percepção de deter poder dada ao indivíduo ao, num toque, ter a sensação de prazer de realizar um sonho de consumo, iniciar um relacionamento afetivo, opinar numa polêmica política ou agredir alguém, reforça o individualismo. Este é um dos pilares de uma sociedade que, de base econômica, estimula a competição para acumular capital; gera a obsessão pelo “ter”; transforma a “meritocracia” numa virtude que diz que o melhor é melhor porque destruiu o pior; solapa a virtude das ações colaboracionistas, solidárias e movidas pelo humanismo.

Quando vi este recurso num celular pela primeira vez afirmei imediatamente: “a democracia está nas suas mãos”, imaginando a possibilidade de combinar a democracia representativa com a democracia direta, dando um instrumento revolucionário de participação às pessoas.

Isto é fato, mas corrompido e subalternizado pela lógica da reprodução do capital, que se realimenta na dimensão do consumo não apenas de mercadorias de uso, mas de serviços de entretenimento, lazer, apostas, pornografia, e tudo que nos convencem com as técnicas mais sofisticadas de marketing que não podemos viver sem.

A “polarização afetiva” lida com instintos e emoções humanas, dos mais superficiais aos mais profundos, virtuosos alguns, mas também vis, outros. O ódio e o medo se tornaram fenômenos do quotidiano das redes, com interesses explícitos e outros subliminares, obscuros que são.

O ódio afasta, polariza, reforça o “eu” contra o “outro”. Na nova guerra fria com polos políticos e econômicos que giram em torno do que simbolizam os EUA e a China, nada como esta ferramenta para polarizar acentuadamente direita X esquerda.

A “cultura do medo” é uma indústria lucrativa, que estimula a venda de armas, alarmes, cercas, fechaduras, a contratação de seguros, a reclusão em condomínios com cada vez mais serviços, o uso intenso do delivery, etc.

O poder de tudo isto é simbolicamente e objetivamente marcado por um dado assustador do capitalismo que transforma tudo em mercadoria negociável: está chegando o momento de termos no planeta um ser humano com US$1 trilhão (um trilhão de dólares) de patrimônio pessoal. Assustador porque a concentração da renda e da riqueza chega neste ponto mantendo ao largo centenas de milhões de seres humanos que não sabem se comerão no dia!

Vamos adiante, lutando, porque “um outro mundo é possível!”.

Rodrigo Botelho Campos – economista

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Rodrigo Botelho Campos

Economista.

11 comentários sobre “Polarização afetiva

  • Arthur Ribeiro de Andrade Neto

    Muito sensata e aprofundada a visão de realidade contida nesse artigo, que sirva essa visão de realidade para despertar outros camaradas para essa “realidade virtual”, que estamos vivendo os efeitos em nossas vidas reais.

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  • Muito bom o artigo. Tudo isso está causando danos gravíssimos morais, intelectuais, mentais, civilizatórios. Precisamos colocar isso na pauta de discussões

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  • Observo que “polarização afetiva” começou a ganhar musculatura nos anos de 2016 e que a partir desse ano, se tornou um efetivo instrumento central de disputa política. Ela não surge e pauta apenas de diferenças ideológicas, mas sim, alimentada toda uma estrutura política com interesses econômicos excluso, especialmente pelas grandes plataformas digitais (Bigtech), que manipulam o fomento das notícias e reforçam emoções como medo e ódio para manter engajamento de seus interesses.

    Essa dinâmica enfraquece a mediação democrática do país, reduz espaços de diálogo e fortalece narrativas extremista, quando transforma cada interação e manifestação digital em mercadorias.

    Hoje o capitalismo busca concentra nas plataforma o poder sob as influências econômicas, intensificando a desigualdades e “privatizando” o debate público aos seus interesses.

    O resultado é visto, quando a “polarização afetiva” serve aos interesses à manipulação geopolíticos com outros países. Um exemplo disso, é a disputa ideológica EUA vs. Brasil / EUA vs. China /outros, que no geral favorece apenas as elites econômicas e/ou grupos pequenos, que ganham em fragmentar a sociedade em discurso rasos e subjetivos.

    Infelizmente hoje a polarização política/afetiva não é mais apenas um fenômeno da comunicação, mas um mecanismo de fomento sócio-político para pautar a jornada de pequenos grupos de interesses politico/econômico, e assim, deixando de lado os reais interesses e crescimento do país.

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  • Que artigo incrível! Conseguiu transmitir suas ideias de forma clara, envolvente e muito bem estruturada. É inspirador ver alguém se expressando com tanta autenticidade e profundidade. Parabéns pelo trabalho!

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  • Interessante esse aspecto sobre a busca cada vez maior de energia para sustentar data centers, big techs e outras indústrias… o q resulta nas investidas/chantagens do Trump contra os países que possuem “terras raras”

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  • Artigo muito bom, bem objetivo e que aborada uma questão complexa que não vejo uma solução diante da incompetência e falta de compromisso dos nosso políticos com os reais interesses da nação que procuram basicamente se permtuar no poder a qualquer custo, inclusive perseguindo seus adversários e protegendo os corruptos amigos do sistema vigente.

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  • Companheiro Rodrigo, confesso que nunca tinha visto o termo “polarização afetiva”, mas ele se ajusta bem a um conceito que você descreve muito bem, relatando um conjunto de novidades que vem nos preocupando há anos. Novidades das quais desconfiamos, porém não evitamos ser capturados por elas, por uma questão de sobrevivência. Evidente que temos o livre arbítrio da seletividade, porém depende do preparo de cada um. Saudações socialistas.

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  • Texto fortíssimo, Rodrigo 👏👏
    Reflexão profunda e necessária sobre o quanto a tecnologia e o consumo moldam nossa forma de pensar, sentir e nos relacionar. Excelente análise!

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  • Prezado amigo Rodrigo , a comunicação hoje realmente está nas mãos de cada um e deveria ser bem usada. Parabéns pelas suas idéias e reflexões! Vamos em frente construindo um mundo que valorize quem produz e que possa dar chances para quem quer trabalhar. Acima de tudo um mundo justo e com paz. É um novo conceito a Polarização Afetiva, vou refletir, obrigada!

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  • THEANE MARCIA LOPES FERREIRA

    Excelente reflexão, Rodrigo! O texto vai muito além da superfície e convida a pensar sobre as raízes econômicas e sociais da polarização afetiva. A forma como você articula tecnologia, consumo e ideologia é brilhante — mostra como o capitalismo não apenas produz mercadorias, mas molda afetos, medos e relações. É raro ver uma análise tão clara e profunda sobre um tema tão atual. Parabéns pela lucidez e coragem intelectual!

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  • Muito bom, Rodrigo! O texto apresenta uma reflexão crítica sobre a “polarização afetiva”, relacionando-a à lógica do capitalismo contemporâneo e ao papel das tecnologias digitais na formação de subjetividades e no reforço do individualismo. Ao evidenciar como o consumo e as redes sociais moldam emoções, opiniões e comportamentos, consegue denuncia a mercantilização da vida e a manipulação das massas por interesses econômicos. E, gratidão por terminá-lo com uma mensagem de esperança e resistência. Precisamo dessa injeção de ânimo!!!

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